sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Intuitável

Acabo de notar que passei todo o período eleitoral sem escrever quase nada de cunho político. Também evitei de me envolver em discussões casuais sobre o tema, e procurei me manter neutro nas redes sociais de que participo. E esse ostracismo auto-impingido não foi descaso por um assunto que, obviamente, é digno de atenção – foi apenas uma tentativa de não me estressar mais do que o necessário, e nada mais que isso. E passadas as eleições, declaro que falhei: Fazendo parte de uma minoria não-militante, me estressei ao me dar conta de que teria me estressado ainda mais se não tivesse ficado calado – uma espécie de meta-estresse. Me estressei ao me dar conta de que eu não escolhi não contribuir para a discussão – fui praticamente obrigado a fazê-lo, em virtude da intolerância sem precedentes que se instaurou nos meus círculos sociais por causa da eleição presidencial. Me estressei, portanto, ao perceber que existem coisas intuitáveis.

Mas este não será um texto sobre política, tranqüilizem-se. Hoje abordaremos a intuitabilidade das coisas – algo muito mais profundo, filosófico e tal.

Intuitável (in-tu-i-tá-vel), adj.: Pensamento, idéia ou opinião que, se emitida em meio a um grande volume de pessoas, desperta o monstrinho da intolerância que vive dentro de cada um de nós. Termo originado em uma rede social virtual – o Twitter – mas que pode ser facilmente extrapolado para o mundo real. Por exemplo, responder “sim” à pergunta “Estou gorda?” de uma mulher é algo intuitável. Declarar-se torcedor de qualquer time que não seja o Brasil em época de Copa do Mundo é algo intuitável. Perguntar a alguém se ele é homossexual é algo intuitável, na maioria dos casos. E assim por diante.

Reparem – o mundo está repleto de pensamentos intuitáveis. No micro-cosmo das redes sociais, em particular, a situação é ainda mais complicada: Você pensa em algo, motivado sei-lá-pelo-que, e escreve. Aquela idéia cai em meio a tantas outras e, muitas vezes, encontra um contexto – mesmo que não seja aquele que você previu. E aí já é tarde demais: A esbórnia já está feita, alguém veste a carapuça e o caos se instaura. Tudo porque você se esqueceu, mesmo que por alguns segundos apenas, de que as pessoas têm uma tendência quase irresistível de acharem que tudo o que é dito no mundo é direcionado a elas. O mundo, aliás, é a entidade mais cheia de umbigos de que já se teve notícia.

Política, futebol, religião, arranca-rabos anônimos – todos temas intuitáveis. Especificamente na nossa terrinha, expressar sua oposição a qualquer linha de pensamento – seja através da argumentação contra algum partido político ou através da discordância de algum princípio cultuado por alguma igreja qualquer – é automaticamente entendido como ofensa pessoal aos que concordam com aquilo. Da mesma forma, experimente escrever na sua rede social predileta algo na linha de “Tem gente aqui que se acha a última bolacha do pacote”: Imediatamente, aquela carapucinha que você arremessou tão despretensiosamente na arena será disputada com unhas e dentes por uma porção de terceiros, quartos e quintos – mesmo que você a tenha tricotado para sevir em uma cabeça específica. Aparentemente, no escopo das coisas intuitáveis, todas as carapuças vêm em tamanho único.

E aí entra outro termo intimamente relacionado à intuitabilidade: O das panelas. Esse todo mundo conhece: Na escolinha, sempre existiam aqueles grupinhos quase impenetráveis, que reuniam gente com alguma similaridade. E todos os que ficavam de fora abominavam as panelas – e passavam boa parte do seu tempo útil dissertando sobre como as panelas eram ruins, chatas e bobas. E debatiam ferrenhamente sobre a injustiça daquele feudalismo social, em conversas animadíssimas – conversas estas protagonizadas com os membros de suas próprias panelas.

Mas a verdade é que nas panelas, ao menos, não existem pensamentos intuitáveis. Tudo o que você diz ali é recebido pelos seus pares como algo digno de reflexão – mesmo que seja a bobagem mais ofensiva do mundo. É como se seus “sócios” procurassem entender os reais motivos que o levaram a dizer aquilo, o que quer que seja – uma espécie de contra-intolerância que tem feito falta no mundo não-panelístico. E não estou me referindo aos tristes casos em que todos concordam cegamente com o que outro colega culinário diz: Minha apologia às panelas se limita aos casos em que seus membros exercitam a sensatez de ponderar sobre uma idéia antes de atacá-la irracionalmente – mesmo que seja para discordar de forma civilizada depois. Idealmente, este benefício se estenderia para além dos limites da panela – e o conceito de intuitabilidade seria extinto da face da terra.

Civilidade – é disso que tenho sentido falta nos círculos que freqüento. Em uma época em que a comunicação anda tão em voga, com tamanha disponibilidade de inúmeros mecanismos para reduzir as distâncias entre as pessoas, a intolerância parece correr mais solta do que nunca. Tenho saudades de tempos em que poderíamos expressar a mais absurda das opiniões e mesmo assim seríamos ouvidos, respeitados e apoiados/contra-argumentados civilizadamente. Tempos em que uma discussão não tomava, pelo menos não sempre, as dimensões de uma guerra civil que deve ser resolvida com o extermínio de um dos dois lados. Concordo que não é fácil conviver com tanta gente com opiniões assim, tão diversas das nossas. Mas simplesmente ofender, atacar e arrancar tais pessoas do nosso convívio me parece algo no mínimo infantil – atitudes da mesma natureza de “dar o dedinho” e “tô de mal, come sal”. É claro que a cada um deve ser garantido o direito de selecionar seus convíveres, não é isso que eu questiono. Questiono apenas os motivos para tal. Afinal, seres humanos são muito mais do que uma opinião sobre assunto X ou Y – e respeitar as diferenças de cada um deveria fazer parte de relacionar-se.

Pensando bem, este texto talvez seja intuitável. Mas agora já foi.


11 comentários:

  1. Vc não tuitou o seu texto e sim blogou XD
    Talvez ele fosse inblogavel!
    Mas que se dane, já foi, e acho que até que vc fez bem em blogá-lo, afinal é um bom (e belo) texto.
    Parabéns mais uma vez pelo seu blog!

    Bjos! =)

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  2. Eu acho que o mundo nunca foi tolerante, só era mais difícil mostrar a intolerância, assim como a comunicação era mais difícil.
    Hoje em dia, com o clique de um mouse, você pode dar unfollow e com 140 caracteres deixar claro para o mundo a sua intolerância com certa pessoa, pensamento ou ação que VOCÊ interpretou de uma certa forma... Seria melhor usar os mesmos 140 caracteres para debater e conversar, mas pra isso precisa-se de paciência. Paciência??? E agora? #comofaz rsrs

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  3. Tive que relê-lo. E se bem entendi ou assim creio eu, vejo aqui uma contradição na sua maravilhosa tentativa de expor a óbvia verdade de termos todos o direito a opiniões e manifestações.

    A primeira parte eu senti brilhante, bem dentro de mim, ao ponto de querer gritar: @fabio_pivo eu te amo! Realmente confesso a vc que me surpreende a quantidade de umbigos deste mundo, e a pretensão de que o maior é sempre o de cada um.

    Agora, o conceito de que em panela não existe o intuitavel eu ja não não concordo tão plenamente. A panela está ou é própriamente o interior de um grande umbigo, onde todo o resto é ignorado e desprezado, na sua maioria das vezes. A verdade sim, é que mais do que recebido como "digno de reflexão" tudo e qq coisa coisa dito por seus "pares" é primeiramente tido como amém, um selo batido dentro da sociedade que a fecha, e que assim a mantém à altura de inatingível. Resumindo: um cordão de puxa-sacos que sozinhos nenhum se garante, na maior parte das vezes. Temem ir contra a qq coisa que o grupo não os proteja.

    Quanto à civilidade, esse valor de respeito que tanta falta faz, cabe a cada um de nós, exercitá-lo o mais possível, no dia a dia e sempre que estiver ao nosso alcance transmiti-lo a um novo alguém. Independente de panelas, de grupos, do que for. Vamos?

    Adoro, adoro sempre que vc escreve. Adoro o que vc escreve.
    Mesmo que eu sempre palpite.
    Como disse, faço birra : )

    Beijo giga, meu querido,

    Ana Nazareth
    @comTHnofim

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  4. Oi "fofo" . Putz...acho que digitei uma palavra "intuitável" para o @fabio_Piva , mas plagiando o mesmo : ja tuitei (comentei)e agora já foi.
    Amigo, como sempre voce é certeiro. Há coisas realmente intuitáveis que somente pelas DMs podemos (ou não ) escrever.Te admiro pra cacete, pra caralho...Não. Te amo.

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  5. Panelinhas, de certa forma sempre acabamos por fazer parte de uma.
    Intuitável? Tuito o que eu quiser a hora que eu quiser, se fulano ou beltrano não gostar, basta um clic no unfollow e ó o/ já vai tarde!!

    Mto bom!!!
    Beijão
    Edilene http://devaneiopulsante.blogspot.com
    www.papodequinta.com

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  6. Intuitável, é? Eu tuito o que eu quiser na hora que eu quiser. Tô nem aí pra cabecinha de ervilha do povo não! Eles que entendam da maneira que quiserem!

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  7. Como não tive a sabedoria (?) de me anular nessa campanha, vivi de muito perto essa intolerância ao intuitável. Foram vários unfollows, blocks e discussões, mas sobrevivi... Agora, só evito chamar pessoas lindas de 'fofo'que já está de bom tamanho. Ótimo texto querido.

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  8. Não tinha pensado por esse lado. Na vida real, não é possível simplesmente unfollow ou block alguém, por isso somos forçados a conviver e aprendemos uma coisa que eu acho fundamental para a paz na terra: aprendemos a aceitar as pessoas como são, tolerar as diferenças, tolerar as manias, etc.
    Acho péssimo o hábito do "sai-da-minha-vida-com-um-click". Você não faz isso na escola, no trabalho, no prédio, no clube. Talvez o futuro seja frustrante, quando o colega da mesa ao lado arrotar e você não puder forçar seu patrão a demití-lo.

    A vida não é bem assim.
    pelas futuras gerações...#oremos.

    :)

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  9. Fábio, tive exemplos dessa intolerância na minha tl e não me incomodei, questão de temperamento. A Mercedes falou certo ao comentar q na vida real não é tão fácil dar block em quem te incomoda.
    Belo texto brow
    @hugopt

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  10. Pois é, todo mundo faz o discurso bonito de que tolera as diferenças e que sabe ouvir críticas, mas na hora que sente na própria pele, aí prooonto. O guerreiro atrás do teclado, protegido pelo meio virtual declara guerra, faz ameaças colossais e incita todos os seus seguidores a fazerem o "ame-me ou deixe-me".

    O ser humano convive com um problema que o angustia: a definição da identidade. E ao se dividir em comunidades ele afirma uma identidade e se apega a ela tanto que qualquer coisa diferente dela parece que vai fazer sua identidade se dissolver.

    Tolerância eu acho que não tem menos hoje do que ontem, concordo com o que a Mercedes disse. Essa vida virtual com facilidades pra eliminar alguém da sua vida faz muita gente continuar com a postura infantil que vc falou.

    Mas tem gente que age de forma adulta mesmo assim. Vamos nos juntar a esses e fazer uma panelinha hahhaha!

    ótimo texto!!

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  11. Acho que a nova comunicação é uma forma desesperadora de se expressar, do tal "estar conectado com o mundo", sobre todos os aspectos, assuntos e formas e isso reflete a ansiedade global, escrevo, depois vejo o que rolou.
    Mas, eu particularmente fiquei encantada com o texto do post. Linkado no meu blog e te seguindo no twitter !

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