sexta-feira, 8 de abril de 2011

Eu queria


Eu queria; eu juro que eu queria.

Queria ser capaz de dormir, de descansar por essas duas horas que tenho antes que a carona para o aeroporto chegue – mas não consigo. Não consigo pregar os olhos, não consigo esvaziar a cabeça. Não consigo deixar pra lá os problemas que me povoam a mente – a dor da decepção por saber o que eu sei, a dor da dúvida por não saber o que desconheço. E dói, ah como dói, não conseguir aceitar a falibilidade desta raça incompleta a que pertenço, em que a nobreza, a lealdade e a honestidade são tratadas como comodities – apenas moedas de troca utilizadas para adquirir pessoas como se fossem propriedades em um tabuleiro de Banco Imobiliário; propriedades adquiridas não por mérito do “comprador”, mas sim por pura estratégia – aquisições motivadas pelo intuito de privar outros jogadores de ostentá-las, uma espécie de “eu tenho, você não tem”. Não consigo compreender as regas do jogo – ou melhor, até as compreendo, mas não vejo propósito em me fazer adversário à altura neste jogo tão cruelmente infantil que são as relações humanas. Eu queria, eu juro que eu queria. Mas não consigo.

Eu queria ser capaz de relaxar ao som da chuva que me acompanha enquanto escrevo estas linhas nesta madrugada de segunda-feira. Mas os pingos que caem lá fora me remetem às lágrimas que eu conheço bem, lágrimas que eu já estou cansado de derramar e que já me conformei em não colher de volta. Lágrimas por amigos, confidentes, conselheiros, que exercitaram a divina dádiva do livre-arbítrio para se converterem em aliados de quem escolheu a posição de adversário político em uma guerra fria da qual eu, particularmente, escolhi não participar. E que preferiram abandonar a sensatez da neutralidade sobre um conflito particular – que sequer deveria existir em primeiro lugar – para se tornarem casualidades de uma batalha em que não haverá vencedor. Eu queria, ah, como eu queria. Mas não posso.

Eu adoraria receber de volta o mesmo carinho, a mesma atenção, o mesmo cuidado que dediquei por todos estes meus poucos (?) anos de existência a meus “bons” amigos – ou ao menos gostaria de nunca precisar tê-los de volta. Mas minha natureza falha de bicho-gente me faz fraco, me faz refém do apego àqueles com quem convivi por anos, com quem partilhei segredos, experiências, momento difíceis e alegres – mas que, para a minha surpresa de criança grande, não se mostram reféns dos mesmo sentimentos que eu.

Eu queria viver em um mundo diferente deste aqui. Queria viver em um mundo em que eu fosse mais como os outros, ou em que os outros fossem mais como eu. Uma terra em que se desse mais valor ao amor e à amizade – ou em que eu fosse capaz de valorizá-los menos. Um mundo em que as ações significassem mais do que as palavras sussurradas ao pé-do-ouvido após reuniões secretas. Um mundo povoado por seres mais atentos, que soubessem distinguir a boa intenção genuína do veneno administrado em doses açucaradas por um conta-gotas disfarçado em compaixão. Eu queria – ninguém pode me culpar por querer.

Queria que o eloqüente não tivesse mais voz que o calado. Queria que o divertido não fosse mais aceito que o recluso. Queria que o cinzento fosse tão legítimo quanto o preto e o branco. Queria que o sorridente não fosse mais aclamado que o triste, e que o certo e o errado não fossem julgados como valores absolutos por quem não conhece a história por completo.

É... eu queria. Mas eu sou apenas um louco desvairado que escreve textos senis, mais uma dessas pobres almas que se perderam em algum momento no passado quando se ergueram e disseram “não mais”. E que como tal, é digna de pena – mas não de defesa ou opinião próprias. E que mesmo não apresentando antecedentes criminais, se vê sentado sem advogado no banco dos réus de um tribunal manipulável, sob o martelo de um juiz que não se preocupa em sequer conhecer os fatos antes de aplicar a sentença em um julgamento por um crime que nunca existiu. E se tentar aprender com os próprios erros me faz insano, só me resta ser declararado culpado por todas as acusações.

Eu queria querer ter feito tudo diferente – adoraria preferir ter me escondido no conforto das aparências. Mas no auge da minha loucura, o arrependimento se faz ausente. Eu queria querer, juro que queria. Mas isso – disso estou convicto – isso eu não quero. 


sexta-feira, 1 de abril de 2011

Relacionamentos

Eu tenho algo duro a compartilhar. É um fato desses tantos imutáveis, que todo mundo odeia, dos quais todos reclamamos e sobre os quais todos queremos evitar de pensar a respeito – mas ele continua lá, como se fosse uma das principais engrenagens que movem o mundo. E você, caro leitor, faz parte do mundo – vale lembrar. Preparado? Tá, eu espero. Pronto? Então vamos lá.

Relacionamentos, muitas vezes, não. Dão. Certo.

Calma.

Respire fundo, e tente não perde a fé na humanidade, no amor e nas coisas belas por causa do que eu acabo de revelar – a coisa é assim mesmo, sempre foi e sempre será. Não é niilismo – não sou eu quem faz as regras. Pode parecer revoltante a princípio, uma espécie de piadinha de mau-gosto de alguma criaturinha divina – eu sei, eu sei. Mas a questão é que ninguém nunca ouviu falar de nenhuma morte natural que tenha ocorrido graças ao término de um casamento/namoro/união estável, por mais linda, exemplar e parecida com os contos de fadas da Disney que esta fosse até o fatídico acontecimento.

A verdade científica por trás dos relacionamentos é que eles são projetados, quase todos, para não darem certo. Triste? Talvez. Mas a regra é clara, e existe há mais tempo do que o conceito de “amor eterno”: Da mesma forma que um bicho precisa morrer para que outro sobreviva, um grande amor precisa ir para o saco para que outro(s) tenha(m) a chance de existir. E mesmo esse grande amor que agora dá seus últimos suspiros, um dia, surgiu do vácuo de um outro grande amor que deixava de ser. Está acompanhando, leitor? Não é niilismo. É realidade.

O plano da Mãe Natureza é que você passe boa parte da sua curta vidinha tentando encontrar a sua cara-metade – e falhando miseravelmente. E aí, em um belo e ensolarado dia em que os passarinhos cantam e as flores desabrocham, você acha que encontrou AQUELA pessoa e tenta investir naquilo. E depois de um tempo, aquilo acaba. E você sobrevive, aprende com os seus erros (e os do outro) e se torna uma pessoa melhor – ou ao menos mais experiente – que só faz chorar pelos cantos de forma imprestável por umas horas/dias/meses/anos. E aí você supera mais uma desilusão amorosa e retorna ao início deste parágrafo, em um ciclo quase infinito. Sim, quase infinito – porque a Natureza sabe que, mesmo você dizendo que nunca mais vai ser feliz, que nunca mais quer se envolver daquele jeito com ninguém, e que nada daquilo é justo e tampouco aceitável, você vai tentar de novo. E sabe também que tudo o que você diz no período de sofrimento e luto é a mais pura balela, coisa de criança mimada que não sabe perder – que é precisamente o que todos somos aos olhos de Mamãe Terra. É só questão de tempo até que você pare de resmungar e retorne ao “modo de procura” – não importa o quanto você choramingue e diga que quer morrer.

Reflitamos: Se um indivíduo monogâmico tradicional tiver N relacionamentos durante a vida, pelo menos N-1 estarão fadados a fracassar em algum momento antes que ele bata as botas. E em boa parte deles, em algum momento, os envolvidos pensarão que aquele, aquele SIM, é para sempre. Mas estatisticamente, a chance de se estar errado com uma afirmação dessas é colossal. “Mas não custa ter esperança, caro autor!”, você protesta. Não, de fato não custa – e é até aconselhável que você não embarque em uma canoa a dois achando que ela vai afundar antes mesmo de partir. Mas acredito que também não custe muito ter em mente que o mundo não é apenas um pano de fundo para as suas vontades, e lembrar que tentativa e erro são a base do desenvolvimento de qualquer espécie. E assim, chorar o leite derramado quando o caldo entorna não é, a meu ver, nada mais do que perda de tempo. Seu amor foi embora? Bateu a porta atrás de si e deixou apenas um fio de cabelo em seu paletó? Escreva uma canção sertaneja, recomponha-se e bola pra frente. Porque é assim que as coisas são, desde que o mundo é mundo – e não é você quem vai conseguir mudar o que se instaurou em anos de evolução.

Acredito no amor verdadeiro – e naquela coisa toda do “que seja eterno enquanto dure” que todo mundo gosta de citar por aí. No entanto, acho importante enfatizar o “enquanto dure”. Não é porque fulano não quis mais ficar com você/voltar para você, que ele nunca te amou. Tampouco isso faz dele um louco/cretino/babaca/mentirososalafrárioidiotacachorro. Talvez, e só talvez, ele apenas esteja seguindo em frente após mais uma dessas tantas tentativas falhas, e tentando ser feliz – coisa que você, se já não estiver fazendo também, ainda fará. E também acredito que quanto menos tempo passamos “odiando” nossa ex-última-bolacha-do-pacote porque ele não quis continuar no nosso pacote, mais tempo temos para dedicar à nossa própria busca pela felicidade. Que é cheia de decepções e mágoas – é verdade. Mas são justamente as decepções e mágoas que constroem o nosso caráter.

Esse foi o contrato que todos nós assinamos com o mundo quando resolvemos passear por aqui. Aceitemos as entrelinhas.