sexta-feira, 27 de julho de 2012

Projeto Dóitxe-lândia: Entrada 1 - Idioma


Este texto é a transcrição da minha primeira entrada no Diário Exploratório de Colonização: Projeto Dóitxe-lândia. Dóitxe-lândia, a terra recém-descoberta, é o nome que a tripulação usa atualmente para se referir à área de interesse – uma livre-adaptação da palavra local “Deutschland” que, até onde pudemos verificar, apresenta significado local próximo de “centro do mundo” ou “berço da melhor cultura do planeta”. Um novo título será outorgado em breve pelo Conselho de Bordo, mais inteligível para os cidadãos do Mundo Moderno.

Vamos aos fatos.

-------------

[Diário de bordo, data estelar 26/07/2012 d.C. – dia 146 pré-holocausto-Maia]

À Vossa Alteza Dilma “Rosa da Bulgária” Rousseff,

Hoje faz um ano desde nossa partida do Berço Tupiniquim rumo à terra prometida. Digo-lhe no dia de hoje, com segurança, que nosso precursor Cristovão Colombo – descobridor da nossa amada América (salve, salve!) – era nada mais que uma menininha facilmente impressionável. Esta nova terra Dóitxe-lândia, essa sim, é de fato uma terra estranha, povoada por indígenas exóticos com hábitos e língua peculiarmente perturbadores.

A população local parece indubitavelmente selvagem e, no entanto, mostram-se extremamente protecionistas quanto à sua cultura – resistindo bravamente à qualquer incursão exploratória de aventureiros provindos de culturas mais desenvolvidas. O maior exemplo disso talvez resida na manutenção teimosa do idioma local – as tribos aqui mantém-se fiéis ao Deutsch [Nota do capitão: “Dóitxe”, livre tradução], uma técnica de comunicação essencialmente gutural, rica em grunhidos ameaçadores e vernáculos grotescamente longos. Nossa teoria é a de que a agressividade única alcançada por este peculiar discurso teve papel fundamental na sobrevivência da espécie Dóitxe; acreditamos que muitos dos elementos incorporados a esta língua são adaptativas e servem ao propósito de “mecanismos de defesa”, impingido grande temor a exploradores precursores menos audaciosos.

Neste relato inicial, permita-me inteirá-la sobre as particularidades desta estranha língua. Primeiramente, não sabemos ao certo se o idioma se utiliza de palavras como blocos centrais de discurso. Sinto-me pessoalmente inclinado a concordar com a parcela da tripulação que defende a teoria de que o idioma nativo é “desvernaculado”; os argumentos são contundentes – por exemplo, embora nosso Oficial Arqueólogo tenha encontrado evidências de que o alfabeto utilizado na proto-escrita local seja o latino, não temos dados significativos quanto ao uso de “espaço” entre os demais caracterers. Algumas instâncias que comprovam esta hipótese:

·         Schwangerschaftverhütungsmittel: Pílula contraceptiva.
·         Rindfleischetikettierungsüberwachungsaufgabenübertragungsgesetz: Lei de rotulagem de carne.

Outro detalhe interessante sobre o dialeto: Esta retrógrada cultura atém-se ainda a costumes antiquados de linguagem, como o trema. Também utilizam-se de grunhidos impossíveis de serem reproduzidos por qualquer estrangeiro civilizado, como o fonema “rrrrrrrr” de fundo de garganta – característica que nosso Oficial Biólogo compara ao som característico emitido por algumas aves silvestres como meio de identificar facilmente outros indivíduos da mesma espécie. Por conta disso, uma pequena facção da tripulação defende a teoria de que os Dóitxe não são mamíferos por completo, descendendo ao invés disso de uma linhagem de híbridos entre primatas e pássaros pré-históricos. Reforço a importância que esta implicação traria à nossa expedição, Vossa Alteza: Podemos estar um passo mais próximos do Elo Perdido.

Concluo este documento inicial com dois apelos à Vossa compaixão: Em primeiro lugar, é de fundamental importância humanitária que mais fundos sejam destinados ao Projeto Dóitxe-lândia. Nossa condição favorecida enquanto “nação moderna” nos impinge a responsabilidade de trazer a povos sub-desenvolvidos – como os Dóitxes – as facilidades do século vinte e um. Pessoalmente, considero inaceitável permitir que os habitantes desta pobre colônia perdurem imersos na obscuridade do isolamento cultural que seu complexo idioma implica. Esta talvez seja nossa maior motivação para perdurar em nosso objetivo de colonizar Dóitxe-lândia: Exterminar o idioma local por completo e substituí-lo pelo Português (salve, salve!).

Em segundo lugar, mas não menos importante: Solicito realocação, com urgência, de um linguista para nosso contingente. É com extremo pesar que comunico que nosso Oficial Linguista pereceu honradamente em serviço, vítima de uma parada cardiorrespiratória após sete noites em claro tentando decifrar um criptograma local [Nota do capitão: “Das Buch ist auf dem Tisch”. Seus esforços foram pagos em seu leito de morte com a tradução desta críptica expressão, em seus últimos suspiros, para “O livro está sobre a mesa”]. Enviarei a documentação necessária para requerimento de pessoal em anexo a este documento.

Sem mais no momento,
[Capitão Fabio Piva, Comandante Geral e co-fundador do Projeto Dóitxe-lândia]



sexta-feira, 6 de julho de 2012

Caixa de Pandora

"Não abra".

Tá lá, claro e transparente. Escrito em vermelho em uma etiquetinha branca por algum profeta cego desses tantos. Ali, tá vendo? Na tampa. Ah... a tampa. Bonitinha, a tampa, né? Será que abre? Opa, abre -- nem tranca tem. Tá só fechadinha, assim, como quem não quer nada. Mas tem a tal etiquetinha e... O que tava escrito mesmo? Ah, sim, isso --

"Não abra".

E aí você levanta a tampa. Levanta a tampa e se choca. Se choca e resmunga. Resmunga e culpa Deus e o mundo porque ninguém te avisou, porque era uma cilada, porque, porque... Porque você ignorou o aviso, capiau -- e só. Mas o fato é que você fez apenas o que foi projetado para fazer.  Porque ser humano é um bicho burro por design, geneticamente programado com algum cromossomo falho que o faz naturalmente incapaz de processar o significado dos caracteres "N", "Ã" e "O" concatenados. Ou talvez até tenha a tal habilidade -- só não a exercita com frequência. Porque é curioso e, sendo curioso, quer saber o que tem dentro de toda e qualquer caixa. Mesmo que não seja capaz de encarar o que tem ali dentro. Mesmo que a caixa não seja dele. 

Mas a história não termina aí: Você sempre resolve voltar atrás e fechar a tampa. Só que fechar a tampa não te faz esquecer o que você já viu lá dentro; já foi. Você está mudado, irremediavelmente mudado, mesmo que seja só de um sujeito que não sabia o que tinha dentro da caixa para um sujeito que agora sabe o que tem dentro da caixa. Mas conhecimento nunca muda a gente para pior, né? Enriquece a pessoa, e tal, e tal. Se você acredita nisso, pare para pensar sobre como você era feliz quando ainda achava que Papai Noel existia, ou quando achava que a coisa mais difícil do mundo era a prova de Matemática da terceira série. Você não tinha que se preocupar com passar na entevista de emprego, com IPTU, com IPVA, com IPQP, com seguro, com abastecer o carro, com ter sucesso na carreira, com ter sucesso pessoal, com ter sucesso na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê. Pois é.


Mas convenhamos -- a culpa não é sua, que abriu a caixa (
nunca é). A culpa é da etiqueta. Não, melhor: A culpa é do profeta cego que escreveu a etiqueta. Ele não foi claro na mensagem, não enfatizou o suficiente. Pensando bem, agora, me atrevo a dizer que foi até mal intencionado -- deixando uma mensagem assim... tão ambígua, tão nebulosa. "Não abra" -- sacanagem deixar uma mensagem besta dessas. Ele não deveria nem ter usado uma "etiqueta", pra começar -- deveria ter usado um letreiro piscante em neon. Isso! Se quisesse mesmo ajudar exploradores desavisados, teria usado neon. Mas usou etiqueta. Então, a culpa é, obviamente, do profeta. 

"
Não abra."
(pisca)
"NÃO ABRA..."
(pisca)
"NÃO ABRA, PORRA!
(pisca)
(repete)

Quem abriria uma caixa com letreiro de neon? Ninguém, claro. Mas não tinha neon e, por isso, você foi lá e abriu. Não faz sentido se arrepender agora -- a gente pega o profeta um dia desses. Por agora, só resta dizer "tchau" para a ignorância confortável pré-caixa e se habituar à sua nova realidade pós-caixa. Sabendo o que não devia, o que não era para saber. Mas pelo menos você abriu a caixa -- melhor assim. Acho. 




sexta-feira, 29 de julho de 2011

Sobre idas e vindas

Malinha pronta encostada no batente da porta. De novo. Armário vazio, geladeira vazia, casa limpa... e vazia. De novo. No bolso, dinheiro que aqui, não vale nada – salvo por uns trocados separados para um café no aeroporto. ‘Trocados’ é eufemismo – porque todo mundo sabe que um café de aeroporto custa os olhos da cara.

Parece que o tempo passa diferente conforme a hora de partir chega. Você tenta aproveitar cada segundo daquele lugar que está deixando para trás, em uma tentativa quase desesperada de guardar na memória tudo o que não coube na mala. E se entristece por saber que não vai conseguir – especialmente se você tem uma memória de uva passa, como eu. Não obstante você tenta, se esforça para registrar o número de carros estacionados na rua, os rostos dos passantes que você sequer conhece, a sensação térmica de um dia qualquer. Cheiros. Gostos. Sons. É como se, na iminência de carimbar o passaporte, você se tornasse uma besta sinestésica e super-emotiva. Pura idiotice, eu sei – mas uma idiotice inevitável que só entende quem está ou já esteve prestes a deixar tudo (ou quase tudo) para trás.

Saudade é um troço traiçoeiro, que parece que aperta mais quando você está prestes a ir embora do que quando você já foi. Nos dias/horas que precedem a partida, você não consegue sair sequer para comprar um pão sem pensar que aquela será a última vez que você visitará aquele estabelecimento em muito tempo. Você passa por aquela árvore velha no caminho e nota que as folhas jovens que pendem dos galhos não estarão mais lá quando voltar. Será que aquele cachorro da rua de baixo continuará latindo pra mim quando eu descer do ônibus que vem do aeroporto? Não sei. Será que o motorista será o mesmo? Não faço idéia. E convenhamos, nenhum desses detalhes tem a menor importância prática – eu provavelmente nem vou lembrar disso quando estiver vindo para casa. A não ser por agora – agora, perceber cada detalhe parece a coisa mais importante do mundo.

Mas não é só a saudade que nos corrói nesses momentos – a incerteza também se torna uma companheira inconveniente. Porque você não tem a menor idéia do que diabos o futuro te reserva a partir do minuto em que você tira a chave da fechadura e sai mundo a fora, arrastando a mala atrás de si. Você pode ser a pessoa mais organizada do mundo, e ter a plena convicção de que cuidou de absolutamente todos os aspectos da viagem e que nada pode dar errado. Mas pode, ô se pode. Será que eu peguei MESMO o passaporte? Será que minha reserva de passagem foi registrada no sistema? Será que eu não confundi a data da viagem? Será que meus anfitriões falam inglês? Será que vão entender o MEU inglês? Será que eu vou achar a linha de trem que vai para o hotel, e vou conseguir descer na estação certa – ou será que vou acabar de mala e cuia em algum país bizarro, habitado por canibais devoradores de estrangeiros desavisados? Não há como prever. Ah, você acha que nenhuma dessas preocupações faz o menor sentido? Talvez não façam de fato – mas incerteza é isso: Uma espécie de paranóia burra sem nenhum compromisso com a realidade.

Eu odeio viagens longas – acho que já deu pra ter uma idéia a esse ponto. E no entanto, o fato de ser acometido por todo tipo de neurose crônica que eventos desse tipo podem causar me faz achar que eu sou um cara de sorte. Não nasci com o pé na estrada, e não tenho a menor vocação para o nomadismo – e boa parte disso se deve a um fato muito simples: Felicidade. Talvez uma felicidade circunstancial, até momentânea – que foge um pouco daquela Felicidade poética e eterna perseguida pelos românticos nos livros de cabeceira das solteironas – mas felicidade, ainda assim.

Aqui eu faço diferença – ou ao menos o aqui me faz diferença. Aqui eu tenho meu lugar, minhas pessoas, meus sorrisos. Aqui eu tenho uma vida inteira pela frente. Lá? Eu não sei o que eu tenho lá – e desconfio de que, pelo menos por enquanto, eu não tenha nada. E é só por isso que sinto essa tragicômica identificação com os participantes daquela brincadeira “Quer trocar?” dos programas infantis matinais da década de oitenta, em que o cidadão tinha que responder ‘sim’ ou ‘não’ sem saber o que estava sendo perguntado: “Você quer deixar tudo o que conquistou até agora para trás, e trocar uma vida sólida e feliz, rodeado por gente que te ama ao seu alcance, por um futuro incerto, em um lugar que você não conhece e sem certeza de sucesso?” – “Siiiiiiiiim!”.

Estes últimos dias aqui – na minha casa, na minha vida, no meu mundo – me ensinaram um novo significado para o conceito de melancolia. Mas não foi só isso – aprendi também uma nova definição para essa tal de Felicidade – essa coisa tão misteriosa que todo mundo persegue, mas ninguém sabe definir direito o que é. Felicidade é ter do que sentir saudades – assim, pura e simplesmente. Não é ser reconhecido profissionalmente, não é ter dinheiro, não é rir de tudo o tempo todo. Felicidade dói, às vezes – incomoda, perturba, te deixa amuado e até com raiva. No mais, é tudo aquilo que os livros contam – e por isso, compreendo essa busca frenética por ela que cada um de nós protagoniza todos os dias. E eu tenho do que sentir saudades – tenho muito. Só espero que estes tesouros todos que eu colecionei por estes meus anos continuem aqui quando eu voltar, em um futuro tão próximo e ainda assim tão distante... que eu queria que fosse hoje.

So long, farewell  auf Wiedersehen, goodbye – espero encontrá-los aqui quando eu voltar. E nesse meio tempo, espero que vocês todos colecionem saudades a rodo.

Vou ali.


sexta-feira, 10 de junho de 2011

É o amo-o-o-or

Já é aquela época do ano, suponho -- os pares já começaram a trocar carícias mais acentuadas em público e sorrir bobamente por aí. Assim, já é aquela mesma época do ano -- aquela em que eu deveria escrever um texto boicotando o Dia dos Namorados. Né? É. Mas não vou. E se você veio aqui esperando por derramamento de sangue inocente dos corações apaixonados, adeus (ou não -- você pode reler o texto do ano passado).

(E sim, eu tenho uma metade para a minha laranja. E se por isso você veio aqui esperando um texto meloso e bonitinho, você obviamente não me conhece -- então adeus também.)

No entanto, tentarei me ater ao tema corrente. Pois sim, você advinhou -- vamos falar sobre Amor Romântico, ou como é conhecido por aí, simplesmente "Amor". É, Amor -- sabe o tal Amor? Aquele sentimento lindo, que move montanhas, que justifica toda e qualquer existência e que deveria ser o objetivo de todo e qualquer ser vivo na Terra? Esse mesmo. Esse, que ninguém sabe o que é, ninguém sabe sequer se existe, mas todo mundo deseja pra si. Essa mosca branca aí.

Sim, você entendeu direito -- eu estou dizendo que ninguém sabe o que diabos é o Amor. Porque se você perguntar para qualquer um, terá respostas tão absurdamente variadas que continuará sem saber também -- mais ou menos como naquelas pesquisas da TV em que o repórter pergunta aos passantes de alguma avenida idiotices como "Você sabe o que é Inclusão Digital?". Um poeta vai te responder que é "pura poesia, o mais nobre dos sentimentos". Um apaixonado vai te dizer que "é o que faz com que ele saia da cama todos os dias". Um cético vai afirmar que "são respostas a reações químicas que estamos programados a sentir para garantir a continuaidade da espécie". Um nihilista vai atestar que é "uma bobagem inventada para tornar a vida das pessoas menos miserável". O Zezé de Camargo vai te cantar uma música brega. E por aí vai. 

E se você perguntar para este autor... bem, minha resposta será um bocado mais longa, cinzenta e um tanto menos informativa -- mas vamos lá, afinal eu tenho um texto para desenvolver. Penso que o Amor é um troço besta de tudo, mais ou menos como um pé de couve -- algo que todo mundo tem perfeitas condições de obter, desde que esteja disposto a ir até a vendinha da esquina, pagar o preço, levar pra casa e cuidar direito pra não morrer. Não é poesia. Não é um artefato mágico. É um item de consumo, algo que a gente tem em alguns momentos da vida e não tem em outros -- e sobrevive sem maiores problemas nas duas situações. Você morre se não puder comer a couve da sua hortinha no almoço? Não morre. Assim como você não morre se ficar solteiro por um, dois ou quarenta anos. É chato, porque você gosta de couve -- mas ela não é essencial para a sua sobrevivência como o oxigênio que você respira.

E aí vem outra questão -- a busca pelo tal Amor. Todo mundo resmunga que "ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém esquenta meus pés nas noites de inverno" (compra uma meia, sua besta). Mas a verdade é que a maioria destes pobres indivíduos mal-amados não conseguiria reconhecer uma oportunidade romântica genuína nem mesmo se esta fosse um elefante vermelho, vestido de palhaço e cantando "Strawberry Fields Forever" há dois metros de distância do seu próprio nariz. Pode soar irônico, mas acredito que a maioria de nós passa metade da vida procurando uma alma-gêmea, e outra metade da vida fugindo dela -- sem sequer se dar conta disso. 

O que eu estou dizendo é que, se encontrar esse "Amor" é algo assim tão importante, talvez nós devêssemos tentar persegui-lo menos e olhar mais em volta. Vejo gente -- muita gente -- encasquetando em conseguir para si fulano, ciclano ou mesmo algum ideal inatingível de relacionamento -- enquanto há uma dúzia de "Amores Verdadeiros" ali mesmo, do outro lado da rua, esperando por uma chancezinha de existir. Pior -- vejo gente que já encontrou essa coisa de Amor, mas não acha que é aquilo ou não se preocupa em cuidar -- e acaba abrindo mão para tentar encontrar algo melhor. E se estrepa, é claro.

Pois é, em resumo é isso que eu penso sobre o Sublime-Sentimento. Amor, pra mim, é setenta por cento de Atenção. Cético? Talvez. Romântico? Nem um pouco. Mas realista. E se eu pudesse terminar o texto com uma frase feita batida, ela seria a seguinte: "Felicidade é amar tudo o que você tem, e não ter tudo o que você ama" -- mas não posso. Então, termino com um conselho que valeria tranquilamente para oitenta por cento da população: Pare de perseguir mais do que você já tem, merece ou pensa ser a chave da sua felicidade, ô seu energúmeno. Tudo o que você precisa está, provavelmente, ao alcance dos seus dedos -- se é que já não está na palma da sua mão. 



sexta-feira, 27 de maio de 2011

Mintamos, então

Não entendo muito bem esse asco generalizado que a maioria das pessoas diz sentir pela mentira. Em minhas andanças por esse mundão de meu deus, posso dizer seguramente que nunca – N-U-N-C-A – encontrei um ser humano sequer que se declarasse amigável a este injustiçado artifício social tão frequente em nossas vidinhas. Todo mundo se proclama defensor supremo da verdade, sempre, aplicada irrestritamente doa a quem doer – esse é o senso comum. Pois bem, caro leitor, sinto informar – mas a verdade é overrated. A mentira é o que move as engrenagens do mundo.

Péra. Eu vou explicar.

O negócio é o seguinte: A verdade é que todo mundo adora a mentira (que trocadilho mais besta), mas não assume – porque gostar de mentira é feio, é pecado, é sei-lá-mais-o-que-do-diabo-a-quatro. E aí a gente inventa outros nomezinhos meigos para ela – lenda, folclore, boato, falácia, conto, “versão de fulano”, “segundo ciclano”. E nos apoiamos nestes nomezinhos meigos para nos convencermos (afinal, mentir para si mesmo é babaquice – se convencer de algo é coisa de gente culta) de que estamos em acordo com a toda-poderosa-salve-salve verdade. E “acreditamos” que, se aquele fulano de nossa confiança está dizendo algo sem pé-nem-cabeça, é porque deve ser verdade. Se disseram na TV, é porque devem existir comprovações. Se beltrano está sofrendo, é porque deve ter sido injustiçado. Mas ninguém nunca deve estar mentindo. Porque mentir é feio, é pecado, é... blá-blá-blá.

Assim, proponho que paremos, afinal, com essa apologia exagerada à verdade.  A Verdade não é sequer assim tão interessante – vem sempre desarrumada, sem maquiagem, esquece de pôr os brincos e usa sapato da coleção passada.  A Mentira está sempre na moda e se enfeita como ninguém – traz aquele ar de mistério que todo mundo adora e se empanturra de penduricalhos legaizíssimos e decotes provocantes. A Mentira sempre tem convites para sair no sábado à noite, quando a Verdade fica em casa rezando o terço e assistindo Zorra Total. Ninguém se importa de fato com a Verdade – ela é aquela menina estranha da sala que todo mundo sabe que tem potencial, mas acha que nunca vai chegar a lugar nenhum. A Mentira? Sempre tem alguém interessado na Mentira. E é muito mais fácil se enturmar com os coleguinhas se você também gosta da menina mais desejada da turma – seja lá o que for que ela tem (ou não) a mais do que as outras.

Mas como sempre, nem tudo está perdido. Porque entre a verdade e a mentira, há aqueles de nós que se reconfortam na definição da tal “mentira branca”. Essa está acima de qualquer suspeita – uma espécie de coringa que todo mundo mantém na manga para qualquer eventualidade que lhes exija mentir descaradamente. E esses, esses mesmos, talvez sejam os mais indicados para me tirar a seguinte dúvida: Desculpem a “inguinorança”, mas mentira branca é, ao que me parece, mentira. Seja ela branca, verde, azul ou cor-de-rosa – é mentira. Não é? Ah, então tá.

Mas esse texto obviamente se trata de um absurdo sem sentido. É mesmo? Então vamos lá: Desafio o leitor cagador-de-regras honrado a passar um dia – sim, um diazinho só – dizendo somente a verdade por aí. Sugiro que tente responder “você está gorda nele” a qualquer senhora que lhe pergunte se “está bem naquele vestido caríssimo”. Sugiro que não diga que “aquela foi a melhor noite da sua vida” quando questionado por seu par se se divertiu naquele primeiro encontro. E recomendo que pergunte “mas será que você não está dizendo isso porque está magoada?” para aquela amiga que veio chorar as pitangas no seu ombro e disse que “quase teve seu coração arrancando do peito pelas garras daquele ex namorado monstro-feio-bobo-chato-quase psicopata-devorador de moças puras”. É isso mesmo – estou pedindo para que você pare de me ler com esses olhinhos repletos de julgamento e siga com sua vidinha correta – mas não sem antes praticar este pequeno exercício. Valendo.

E para aqueles que continuam aqui comigo, deixo ainda outra sugestão: Abaixemos a verdade. Não é a mentira que todos esperam e apreciam? Mintamos, então. Abracemos sem medo a realidade, enfiemos o pé na jaca, assumamos o filho preto de uma vez. Particularmente, não acho que haja nenhum problema em darmos ao mundo o que o mundo quer. Sério – acho altruísta, até.

E finalmente, para os que AINDA não me abandonaram – antes de mais nada, vocês tem muito tempo livre nas mãos. Mas recompenso sua paciência – que eu mesmo não tenho – com uma terceira e muito mais conveniente alternativa: Continuemos todos felizes e sapecas idolatrando a verdade e aplicando aqui e ali uma mentirazinha branca de vez em quando. Afinal, ficar em cima do muro é sempre mais confortável – acredito até que todo muro que se preze seja repleto de poltronazinhas muito bem acolchoadas, com uma trupe de garçons servindo café e canapés à vontade. Se esta for a sua opção, é só subir aquela escadinha ali na frente. Mas entre na fila, porque ela é longa.  


sexta-feira, 6 de maio de 2011

Vende-se




Descrição

Vendo caráter semi-novo, em perfeito estado de conservação. Apresenta alguns sinais de desgaste, mas funciona perfeitamente. Não requer manual de instruções, montagem ou conhecimento técnico – está pronto para uso. Item de fácil manutenção e indispensável para quem deseja passar uma boa impressão no trabalho, com os amigos e familiares. Não perca esta oportunidade! Acompanha caixa/isopores originais e nota fiscal.

Histórico do produto

Recebi de presente quando nasci – herança de família – e utilizei diariamente desde então. Montei no decorrer dos anos (sempre utilizando peças originais) e cultivei com carinho e cuidado, mantendo-o sempre lubrificado e bem armazenado. Nunca foi trocado e nunca deu problema, embora às vezes se comportasse como se tivesse vontade própria, sem que fosse ativado (o fabricante me informou que isso é normal e até previsto). Trata-se, portanto, de um item de colecionador, fora de catálogo e perfeitamente funcional. Raridade hoje em dia!

Motivo da venda

De uns tempos para cá, este item tem caído em desuso em meus círculos sociais. Tenho notado que cada vez menos amigos/colegas o utilizam, e mesmo os que sempre ostentavam seus próprios exemplares o tempo todo estão se desfazendo deles. Quando levo meu caráter a eventos sociais, sempre sou muito elogiado por meus pares à primeira vista – mas quando viro as costas, tenho a impressão de que os elogios se convertem em risadinhas e comentários maldosos na linha de “Que sujeito maluco, usando uma coisa antiquada dessas em pleno século vinte e um!” ou “Tadinho, esse aí pensa que vivemos na época dos nossos avós...”. Já ouvi também coisas como “Ah, esse caráter aí, sei não... deve ser de alguma marca vagabunda, imitação meia-boca do oficial”. Posso garantir que esse útimo não é o caso – trata-se de fato de uma peça original e de muito boa qualidade, de forma alguma uma imitação.

Pensei em guardar o item no armário e esperar que volte a ser popular por aí, mas acredito que isso possa demorar a acontecer – e sinceramente acho um desperdício deixar algo tão valioso e em condições tão boas apodrecer numa prateleira empoeirada. Assim, prefiro passá-lo para frente para quem possa fazer bom uso.

Formas de pagamento/envio:

Envio por conta do comprador. Aceito cartões de crédito, depósito bancário, dinheiro vivo e Sedex a cobrar. Não aceito trocas.


SÓ DÊ SEU LANCE SE TIVER CERTEZA DA COMPRA. Após iniciada a transação, desistentes serão negativados. Assim, tire todas as suas dúvidas antes de clicar em “Comprar”!



Perguntas ao Vendedor

Usuário Patyzinha95 perguntou:
Olá, vendedor! Estou interessada no produto. Aceita cartão de crédito? Funciona bem em baladas, bares, etc? É bem visto na alta sociedade? Obrigada! =D

Vendedor respondeu:
Olá, Patyzinha95! Aceito cartão sim. Não sei dizer se funciona bem nesses contextos, porque não os frequento. Se é bem visto na alta sociedade? Bem, depende muito. Acredito que seja bem visto independentemente de condição social ou financeira, em geral por outros usuários de itens semelhantes. Quem não tem ou nunca teve acha um tanto inútil. Espero ter esclarecido! J

Usuário PsicopataMorenoAlto perguntou:
Opa, tô precisando de algo assim pra um projeto pessoal, aqui. Aceita troca num Playstation 3? Volto um pacote de balas Juquinha e dez cartuchos de Manipulação também.

Vendedor respondeu:
Olá, PsicopataMorenoAlto! Desculpe, não estou interessado em trocas no momento. Grato.

Usuário apressadinho_30 perguntou:
Oi, quanto fica o frete para 09090-492? Faz desconto para pagamento à vista?

Vendedor respondeu:
Olá, apressadinho_30! Fica em trinta reais. Faço desconto de dez por cento para pagamento à vista. Aguardo seu lance!

Usuário Político_DF perguntou:
Olha, meu caro, acho que você está um pouco fora da realidade. Seu item está muito mais caro do que os outros aqui do site. O meu mesmo eu estou vendendo por muito menos.

Vendedor respondeu:

Olá, Político_DF. Vi seu anúncio – não se trata de um item de mesma qualidade que o meu. Obrigado e boa sorte.

Usuário BombadoPegador perguntou:
Fala, brow! Ow, isso aí ajuda a pegar mulher???? Se ajudar dou o lance agora mesmo. Valew!!!

Vendedor respondeu:
Olá, BombadoPegador. Então, depende do tipo de mulher que você procura – moças que também tenham caráter certamente se sentirão mais atraídas por você se você tiver (e usar!) o seu. Outras, no entanto, preferem rapazes que não o tenham; encontramos mulherer (e também homens, vale dizer) de ambas as classes todos os dias. A eficácia do meu produto vai muito de o que você pretende conquistar com ele.

Usuário filósofa_bem_intencionada perguntou:
Oi! Então, eu queria saber se eu conseguiria usar seu caráter numa boa – afinal ele não é meu de nascença. Será que tem algum problema em eu adquirir e usar o caráter que já foi de outra pessoa?

Vendedor respondeu:
Sinceramente não saberia dizer. Eu, particularmente, sempre utilizei esse caráter mesmo e ele sempre me serviu bem nestes anos todos; nunca ouvi nenhum caso de caráter adquirido pós idade-adulta – normalmente é algo que se é transmitido (ou não...) durante a criação (pelos pais e afins) e cultivado à medida que se amadurece. Acredito que não haja problemas, e seu próprio interesse em adquirir meu produto me leva a crer que funcionará sem problemas. Mas não posso garantir. Desculpe! L


sexta-feira, 8 de abril de 2011

Eu queria


Eu queria; eu juro que eu queria.

Queria ser capaz de dormir, de descansar por essas duas horas que tenho antes que a carona para o aeroporto chegue – mas não consigo. Não consigo pregar os olhos, não consigo esvaziar a cabeça. Não consigo deixar pra lá os problemas que me povoam a mente – a dor da decepção por saber o que eu sei, a dor da dúvida por não saber o que desconheço. E dói, ah como dói, não conseguir aceitar a falibilidade desta raça incompleta a que pertenço, em que a nobreza, a lealdade e a honestidade são tratadas como comodities – apenas moedas de troca utilizadas para adquirir pessoas como se fossem propriedades em um tabuleiro de Banco Imobiliário; propriedades adquiridas não por mérito do “comprador”, mas sim por pura estratégia – aquisições motivadas pelo intuito de privar outros jogadores de ostentá-las, uma espécie de “eu tenho, você não tem”. Não consigo compreender as regas do jogo – ou melhor, até as compreendo, mas não vejo propósito em me fazer adversário à altura neste jogo tão cruelmente infantil que são as relações humanas. Eu queria, eu juro que eu queria. Mas não consigo.

Eu queria ser capaz de relaxar ao som da chuva que me acompanha enquanto escrevo estas linhas nesta madrugada de segunda-feira. Mas os pingos que caem lá fora me remetem às lágrimas que eu conheço bem, lágrimas que eu já estou cansado de derramar e que já me conformei em não colher de volta. Lágrimas por amigos, confidentes, conselheiros, que exercitaram a divina dádiva do livre-arbítrio para se converterem em aliados de quem escolheu a posição de adversário político em uma guerra fria da qual eu, particularmente, escolhi não participar. E que preferiram abandonar a sensatez da neutralidade sobre um conflito particular – que sequer deveria existir em primeiro lugar – para se tornarem casualidades de uma batalha em que não haverá vencedor. Eu queria, ah, como eu queria. Mas não posso.

Eu adoraria receber de volta o mesmo carinho, a mesma atenção, o mesmo cuidado que dediquei por todos estes meus poucos (?) anos de existência a meus “bons” amigos – ou ao menos gostaria de nunca precisar tê-los de volta. Mas minha natureza falha de bicho-gente me faz fraco, me faz refém do apego àqueles com quem convivi por anos, com quem partilhei segredos, experiências, momento difíceis e alegres – mas que, para a minha surpresa de criança grande, não se mostram reféns dos mesmo sentimentos que eu.

Eu queria viver em um mundo diferente deste aqui. Queria viver em um mundo em que eu fosse mais como os outros, ou em que os outros fossem mais como eu. Uma terra em que se desse mais valor ao amor e à amizade – ou em que eu fosse capaz de valorizá-los menos. Um mundo em que as ações significassem mais do que as palavras sussurradas ao pé-do-ouvido após reuniões secretas. Um mundo povoado por seres mais atentos, que soubessem distinguir a boa intenção genuína do veneno administrado em doses açucaradas por um conta-gotas disfarçado em compaixão. Eu queria – ninguém pode me culpar por querer.

Queria que o eloqüente não tivesse mais voz que o calado. Queria que o divertido não fosse mais aceito que o recluso. Queria que o cinzento fosse tão legítimo quanto o preto e o branco. Queria que o sorridente não fosse mais aclamado que o triste, e que o certo e o errado não fossem julgados como valores absolutos por quem não conhece a história por completo.

É... eu queria. Mas eu sou apenas um louco desvairado que escreve textos senis, mais uma dessas pobres almas que se perderam em algum momento no passado quando se ergueram e disseram “não mais”. E que como tal, é digna de pena – mas não de defesa ou opinião próprias. E que mesmo não apresentando antecedentes criminais, se vê sentado sem advogado no banco dos réus de um tribunal manipulável, sob o martelo de um juiz que não se preocupa em sequer conhecer os fatos antes de aplicar a sentença em um julgamento por um crime que nunca existiu. E se tentar aprender com os próprios erros me faz insano, só me resta ser declararado culpado por todas as acusações.

Eu queria querer ter feito tudo diferente – adoraria preferir ter me escondido no conforto das aparências. Mas no auge da minha loucura, o arrependimento se faz ausente. Eu queria querer, juro que queria. Mas isso – disso estou convicto – isso eu não quero.