sábado, 26 de junho de 2010

Criador e criatura

Queridos papais e mamães de criancinhas “espirituosas”: Sei que seu filho é o mais lindo, o mais esperto, o mais fofo e o mais legal, e que foi uma dádiva de Deus para com o universo. Sei também que ele é o mais amado, o mais querido e que será um dia presidente do mundo. Sei ou ao menos balanço a cabeça afirmativamente, ostentando um sorriso amarelo no rosto, fingindo que sei. Agora, afaste seu pequeno ramelento de mim.

Desculpe se vou despejar água no seu chope, caríssimo pai, mas o fato inquestionável é que você só faz parte da estatística. Milhões de pais ao redor do mundo bradam, precisamente neste momento, exatamente a mesma coisa que você: Que seus filhos são o messias. E destes, quase todos dirão em algum momento dos seus intermináveis anos de paternidade a célebre frase: “Onde foi que eu errei”. Respondo: Errou naquela noite em que você não tinha camisinha e cogitou “ah, só uma vezinha”, lembra? E a partir daí, errou em todos os anos subsequentes, em que você deixou sua cria tornar-se dona da casa, e falhou em estabelecer limites básicos. Sim, a culpa é toda sua.

Por isso, esclareço: Não odeio crianças, não sofro da síndrome de Herodes (embora sinta uma estranha compaixão por ele). Eu odeio pais. E nem são todos os pais -- apenas aqueles que, sob a a minha perspectiva, não sabem educar seus filhos adequadamente, ou seja, a imensa maioria. Se você queria um monstrinho para chamar de seu, creio que nada mais natural do que parir um zero quilômetros. O problema é que, diferente dos carros, que você vende ou manda para o ferro velho, os filhos são para a vida inteira. E acredite ou não, muita gente se esquece disso e desova filhos como se não houvesse amanhã. Só que quem está condenado a lidar com as consequências de um filho mal criado não é só você: Sou eu também, somos todos nós. E isso sim, considero inaceitável.

A coisa mais comum do mundo é ver um pimpolho endemoniado provocando o caos em algum shopping center. Mexe daqui, cutuca de lá, grita, chora, faz manha. Isso quando o infelizinho não chega ao lado da sua mesa, em pleno almoço, abre a boca cheia de comida e sai correndo, rindo da sua expressão de horror. E você fica se perguntando onde estariam os responsáveis pelo adestramento do bichinho. Em geral, encontram-se não mais longe do que cerca de uns dez metros, olhando tudo o que se passa e não tomando nenhuma providência. Em alguns casos, achando o máximo, até, como se aquilo ali não fosse um local público, digno de certa compostura e respeito ao próximo. Ensinar o respeito à individualidade parece ter caído de moda, assim como as “bárbaras”, porém eficazes, palmadas.

Sou defensor ferrenho do livre arbítrio, mas acho difícil não achar um boa idéia o castramento dos despreparados para criar um membro digno da sociedade. Tem gente que não nasceu para ser pai, e isso se torna óbvio cada vez que o indivíduo respira. Ainda melhor que o castramento, seria algum tipo de especialização profissional obrigatória: “Curso de adestramento para futuros pais - tudo o que você sempre quis saber mas tinha medo de perguntar”. As apostilas seriam distribuídas gratuitamente nas portas de motéis, bailes de carnaval e micaretas.

Tenho saudades do tempo em que, quando uma criança ultrapassava os limites, o simples olhar fulminante do pai já era suficiente para cortar as asinhas do rebento. As palmadas existiam, mas serviam mais como ameaça do que de fato como punição. Assim eu fui criado, e agradeço aos céus por isso. E embora eu não tenha crescido para me tornar o melhor dos adultos, cresci com valores sólidos de respeito ao próximo, e aprendi que nossa liberdade termina quando começa a do outro. Aprendi que não sou o dono da verdade, mas minha verdade é tão boa quanto a daquele mala de quem discordo em quase tudo. E aprendi que, pensando dessa forma, faço parte de uma minoria. Em resumo: Posso não ser um adulto exemplar, mas evito ao máximo invadir o espaço do próximo. E na pior das hipóteses, escrevo textos mal humorados que talvez incomodem pais de pequenos demônios.

21 comentários:

  1. Sabe esse olhar fulminante q vc falou.O meu pai ainda tem!Ainda tem!E eu achava q depois q deixasse de ser criança não ia funcionar mais...ahahahha
    Ainda funciona.Mas provavelmente é por isso q adoro o meu pai e talvez por ainda não ter aprendido o tal olhar não me arrisquei a ter filhos.
    Adorei o blog.De fato falta de paciência é extremamente produtiva,uma virtude!

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  2. Fabio, sou mãe e posso dizer até este momento em que minha filha tem 15 anos, não usei a expressão "onde foi que eu errei" . Claro que errei algumas vezes (eu acho), mas pensando como voce e sendo criada da mesma forma, tenho conseguido fazer da minha filha, um ser agradavel, querido e responsavel. Tenho "ns" problemas com ela, mas eles são restritos dentro de casa. Aprendi a educa-la da mesma forma que minha mãe nos educou sozinha , e foram 4 filhos.
    Teu texto foi brilhante, foi a síntese do que vemos todos os dias. Parabéns. Voce tem me saído um excelente blogueiro.

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  3. Não precisa nem comentar!! Sempre de mau humor! Adoro! Este será o primeiro texto que meu sobrinho - Davizinho Beiramar - ira ler. Parabéns.

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  4. Não vou tecer um comentário imenso complementando o que você disse, porque a coisa é mais simples: Onde eu assino?

    Fantástico - seu melhor exemplar de texto. Eu acho.

    Lílian Buzzetto

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  5. Olha, a ideia do adestramento pra futuros pais foi genial, acho que deveria virar lei.

    Esse mesmo povo que coloca os capetinhas no mundo e acham lindo tudo o que eles fazem, nos olham com cara de desprezo quando dizemos que não temos e não queremos filhos. Nos acham inferior, né? Não temos o "presente divino".

    Gostei muito, muito mesmo. Beijão.

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  6. Uma outra linha pra que eu possa assinar também, por favor.

    Escrevi algo semelhante há poucos dias. E eu concordo com você em gênero, número e grau. Os mais despreparados são justamente aqueles que mais desovam crianças no mundo. Impressionante.

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  7. Arrasou na estreia!!!
    Falo isso todos os dias na escola, e já falava quando trabalhava em lojas cheias de vidros e espelhos, onde os pais deixavam os filhos soltos, vc não sabe se mostra a peça ou fica de olho na destruição fatal...
    Meu pai olhava com esse olhar e tomei muitas, mas muitas palmadas da minha mãe, incontáveis... graças a Deus!!! E era na hora, podia ser onde fosse e na frente de quem fosse, obrigada mãe pelas palmadas providenciais!!!
    Pq hj tb me orgulho por saber respeitar o espaço do outro, e se vier a ter filhos, espero saber fazê-lo, assim como meus pais souberam!!
    Plagiando a Lilian... onde eu assino???
    Beijão, Edilene
    \0/

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  8. Fabio, não sei quantos anos vc tem, fato que pode me surpreender ainda mais, ao ver alguém com sua noção e princípios de respeito e responsabilidades nos dias de hoje. Algo raro. Realmente estamos vivendo num mundo sem palmadas, em que se perdeu a noção dos limites, deveres e direitos de cada um.
    Sou mãe de 3 seres humanos que, aos 3 anos de idade, como diria meu pai, já tinham que estar educados - a partir daí orientados e apoiados. Desde muito cedo então apreenderam bem a idéia de que os pais eram os adultos e como tal mais experientes e sabidos, a quem deveriam ouvir e obedecer. Claro está que a razoabilidade dos pais é aqui um fator de extrema importância, o que vem de encontro à sua brilhante teoria de 'curso de adestramento'. No entanto, eu seria ainda mais radical e avançaria diretamente para um 'extermínio em massa dos já mal formados a princípio.'
    Não há realmente nada mais desagradável, e maléfico pra sociedade em geral, do que pais que não sabem 'ver' os monstros infernais que são e que criam. E infelizmente não vejo recuperação para esse mal.

    Parabéns pelo texto e mais ainda por vc.

    Ana Nazareth

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  9. Olha adorei. Livre dessas máscaras hipócritas que os falsos moralismos da sociedade impõe. Eu sou mãe, considerada péssima mãe por sinal, pois não tenho papas na língua pra falar com meu capeta e mto menos trava nas mãos pra dar uns belos tapas qdo merece. Não pretendia nunca ter filho, tive de burra mesmo, pq não tenho paciência nenhuma com essas criaturas. Mas não sou daquelas que fica que nem songa monga assistindo o festival de horror que o capeta apronta. E pior que adoro ver a cara de espanto das pessoas qdo no meio do shopping falo em alto e bom tom pro meu "rebento": Cala boca seu viado se não te dou um tapa do lado da orelha.
    Enfim, vc está de parabéns.

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  10. caro amigo fabio piva,

    acredito que a gente deveria ampliar o escopo da excelente idéia de adestramento de pais e ministrar também um curso de adestramento para seres humanos em geral, independentemente de raça, cor, preferência sexual ou religião. a sociedade, ou isso que convencionamos assim chamar, carece.

    já a hipocrisia me parece ter sido a opção da esmagadora maioria.

    enfim, eu bato palmas. mas tem muita gente que ao ler esse texto vai querer te dar umas palmadas, ah isso vai :P

    GRANDE ABRAÇO

    and keep writing. you‘re doing great!

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  11. "cresci com valores sólidos de respeito ao próximo, e aprendi que nossa liberdade termina quando começa a do outro. (...) Em resumo: Posso não ser um adulto exemplar, mas evito ao máximo invadir o espaço do próximo." é por isso que te incluo no meu restrito círculo de amigos hehe

    Lembro que quando eu era comissária de voo tinha mães que queriam que eu desse bronca nos filhos porque elas não tinham autoridade o bastante. Talvez tenham sido sempre molengas e isso levou os filhos a não obedecê-las mais. E olha só, eu com minha cara de anjinho teria mais autoridade que elas!

    Hj ouvi na CBN um especial q estão fazendo sobre mães mto jovens. Tem uma q teve a 1a filha aos 13, a 2a pouco depois e agora vai ser vó com menos de 30. Não bastou errar 2 vezes (pq pra mim, filhos na adolescência só podem ser resultado de erro) um erro que mudou toda a vida dela, ela ainda não educa direito as filhas para q a história não se repita!?
    Claro que não, né? Mãe nessa idade não educa... e o ciclo se repete.

    Cada vez mais tem pais que acham q a internet é babá... largam o filho com o com um computador e vão curtir a vida sem responsabilidades.
    Depois não vão chorar pq seu tesourinho se meteu numa encrenca das feias, pra não dizer coisa pior.
    Ou então a criança vive no videogame e cresce sem o mínimo de noção de relacionamento interpessoal, vira uma solitária, frustrada, medrosa...

    Gente que não serve pra ser pai tá cheio... mas a sociedade diz que felicidade é casar e ter filhos então fulano pode não estar preparado e nem ter vontade mas faz isso pra atender aos padrões.
    Padrões de merda... que resultam em merda...

    é tb tou com paciência negativa hj

    mó comment grande =p

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  12. Você é do mau! hhahahahah.
    Eu concordo muito com você. Mas vou te contar que algumas criancinhas nascem com temperamentos pouco maleáveis e, nem sempre os pais conseguem dar conta do recado. Isso pode ser observado em famílias com 3 filhos, por exemplo, onde 2 são adestradinhos e 1 é uma peste.
    Sim...falei em defesa dos pais. Embora eu ache que palmada nunca fez mal a ninguém e respeito é uma coisa que as pessoas vêm esquecendo de ensinar.

    Ótimo texto como sempre.
    Beijo

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  13. Engraçado... Essa madrugada sonhei q estava parindo (disseram q é a ansiedade por causa do meu lançamento amanhã...) mas isso me fez refletir sobre minha infância e sobre como os pais jovens de hoje não possuem pulso firme para educar seus filhos... Os capetinhas deitam e rolam e os pais não movem uma palha, pelo contrário, apoiam! Vejo muita gente da minha idade passando por isso. E me dá muita raiva!
    Penso: com a idade q estou agora, minha mãe já era tinha 2 filhas, minha irmã com 5 e eu com meus 2 aninhos, e tomava conta de casa, do papi, de nós: cuidando, educando, orientando e dando puxões de orelha, quando necessário.
    Hoje qqr encostadinha q um adulto dá em uma criança já fere o estatuto da criança e do adolescente! A vizinha chama a polícia, um parente chama a assistente social, o adulto em questão responde a um processo, vai preso e se fode...
    Hoje a sociedade é de pais bundões. Não sabem educar, não sabem punir, não sabem ser pais. Essa é a verdade. É como se eles deixassem os filhos fazerem tudo o q não puderam na infância... Só que a coisa foge do controle de uma maneira escabrosa...
    Ter filho é complicado. Fazer é fácil. Mas a educação q nossos pais nos deram a vida toda, vira do avesso qdo temos filhos. É uma revolta do subconsciente da pessoa.
    Confesso q morria de medo dos bigodes tensos do meu pai. E tremia qdo ouvia o barulho do armário onde mamãe guardava a cinta q usava para nos bater. Mas eu apanhava pq merecia meeeeeeesmo. Mas morro de medo de ter filho e todos esses traumas transformarem minha cabeça na hora de educá-los (exagerei, vai!)
    Mas enfim... Hj os valores são outros. Ngm respeita mais ngm... E todo mundo é criado num mundo liberal...
    Viva os direitos das crianças! E só.
    Os deveres esqueceram de impor a elas...

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  14. Fiquei 5 minutos pensando em quê comentar. Achei uma palavra: parabéns.

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  15. Só vou dizer uma coisa...
    Meu pai arrancava pedaços da minha orelha pq eu apertava a pasta de dente no meio do tubo. E pq não lavava a pia - marrom - depois de cuspir saliva com pasta de dente.
    Nunca ousei a aprontar mais q isso. Pq sabia q as consequência de ficar sem orelhas iam ser duras e traumáticas. Quem empregaria ou namoraria uma pessoa sem orelhas ou com orelhas
    de boxeador?
    Eu tinha noção do perigo.
    Exageros a parte, agradeço por ter sido educada com limites. Limite é a palavra chave na educação tanto p um peixe de aquário, qto p um antropoíde.

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  16. Por toda parte, em todos os canais da "mídia", ouve-se dizer que prostituição, pedofilia, adolescentes grávidas e toda sorte de desgraceiras sociais de hoje em dia é culpa de uma certa "exclusão social", da falta de oportunidade, da omissão do governo e blablablá ....

    Não é!

    Isso é só lorota que se conta pra ONG picareta arrancar dinheiro do governo.

    A sociedade está se deteriorando por falta de FAMÍLIA, aquelas antigas, com mãe amorosa e pai com autoridade - coisa que hoje é praticamente proibida por lei e pelos estatutos politicamente corretos.

    Os monstrinhos mimados e sem limites são só mais uma faceta dessa história. Tenho medo de pensar que tipo de adulto teremos daqui 20 anos.

    [Dica: remova a verificação de caracteres dos comentários. Blogueiros odeiam isso].

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  17. A merda toda são as idéias pedagógicas que inventaram(sabe-se la quem começou),que agora é pecado mortal gritar ou dar umas inocentes palmadas nos "catarentos".. E vale lembrar: agora dá cadeia..Ai meu Deus, EU que não tivesse apanhado de cinto de couro pra ver!!! tudo o que eles dizem é: PODE TRAUMATIZAR A CRIANÇA..apanhei pra cacete, e nem por isso fiquei traumatizada..pelo contrário, aprendi a respeitar aos meus velhos..bastava um simpes olhar da minha mãe que eu sabia que o "pau" ia comer quando chegasse em casa.. Se os pais continuarem a tratar esses girinos como bibelô, teremos uma geração de "frouxos" isso sim.. PRONTO FALEI!!!!

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  18. Eu já tinha tido uma conversa sobre esse assunto antes e você disse exatamente o que penso a respeito. Existem pessoas que se tornam pais (digo isso para algumas mulheres também) que não tem capacidade de cuidar de si próprio e colocam um ser no mundo pra dar trabalho para os outros.
    Sou a favor de palmadas também, porque eu fui criada assim (embora eu não tenha precisado de palmadas), mas aquele olhar fulminante funcionou várias vezes. As pessoas tem que pensar muito bem antes de ter um filho, pois educar já era difícil, hoje em dia então. E depois não venha com o "onde foi que eu errei?".
    Parabéns pelo texto Fa, muito bem elaborado.

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  19. Embora a maioria esmagadora ache que tudo é bonitinho pra não ofender, também acredito na falta de paciência como característica virtuosa. Aprecio o (mau)humor e o sarcasmo na dose certa que encontrei aqui. E antes que eu me esqueça, eu sou leitor da Mercedes (caixapreta.blogspot.com).

    Ótimo texto!

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  20. Eu não deveria estar aqui. Eu tenho uma afilhadinha prodígio. O Fabio Piva é um cara mal. Ei, minha mãe tá me chamando! :)

    Brincadeira, viu? Sensacional, como sempre. Idéias bem trançadas, originalidade, merece favoritar, se eu puder espalhar um conselho por aí.

    Beijo grande,
    Kari
    www.mulherices.com.br

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  21. adorei o texto Fábio. eu que sei como é difícil criança birrenta mas quando vejo já percebo também que os pais são muito piores. reflexo dos pais sem noção que acham lindo reproduzirem criaturinhas endemoniadas.

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