sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O pequeno equilibrista

Em uma dessas noites, estava eu sentado na porta do hall do meu prédio a observar a chuva. E foi quando notei algo insólito: Um gato Um rato gigante O E.T. Bilu Um quadrúpede não-identificado, que passeava serelepe por cima dos cabos telefônicos/fios elétricos que conectavam os postes alinhados na rua.

Passei os próximos minutos daquela madrugada ali, tentando entender como diabos aquele ser peludo e gorducho conseguia percorrer tão habilmente sua corda bamba. Era como se ele não se importasse de estar há cerca de vinte metros do chão, altura que certamente o mataria caso ele despencasse dali. E seja lá qual fosse o motivo das idas e vindas kamikazes daquele bichinho, ele parecia bastante concentrado em seus afazeres: Saía da árvore que possivelmente continha sua toca, atravessava para um poste, seguia para o poste seguinte, pegava algo com a boca e retornava – sem se deixar distrair ou interromper pelo que quer que fosse. Aliás, minto – vez ou outra ele diminuia o ritmo das passadas estreitas para corrigir a posição do rabo, que parecia ser seu instrumento responsável por contrabalancear o peso do seu corpo para mantê-lo equilibrado sob aquelas perigosas condições. 


E foi então que eu me dei conta de algo bastante interessante. Eu, um representante da espécie humana – que se auto-intitula a mais evoluída/inteligente/racional/etc do planeta – estava ali, maravilhado com uma criaturinha que, embora aparentemente “inferior”, se mostrava capaz de realizar algo de que muitos dos meus semelhantes – eu mesmo incluso – não seriam capazes. E após muito refletir sobre os super-poderes do pequeno equilibrista, só pude chegar à seguinte conclusão: Nossa brilhante capacidade intelectual nos faz também profundos apreciadores de problemas – tanto que muitos de nós acabamos por nos apropriar dos problemas alheios, ao invés de cuidarmos de nossas próprias vidas. E assim, não nos sobra muito tempo ou poder de concentração para conseguirmos nos especializar em habilidades maravilhosas, como aquela de percorrer longas distâncias sobre cordas estreitas. 


Mas aquele pequeno animal não era um ser humano. Ele era um pequeno equilibrista, e não tinha nenhum problema – muito menos problemas alheios – ocupando-lhe a mente naquela noite chuvosa. Suas preocupações se resumiam em manter seu equilíbrio e prestar atenção no próprio rabo, e nada mais. E talvez por isso, ele fosse capaz de feitos que nem o mais preparado dos seres humanos seria capaz de realizar com tanta desenvoltura. 


Eu aprendi muito com aquele pequeno equilibrista naquela noite. Ele não confiava nos postes, que não tendo sido erguidos por ele próprio, não poderiam ser confiados. Ele parecia alheio aos carros que, embora transitassem na rua logo abaixo, também não lhe diziam respeito. Ele atentava apenas ao próprio rabo – este sim estava sob seu controle e influenciava na sua vida. E ainda que não tenhamos rabos, acredito que os geniais membros da nossa espécie deveria tomar aquela criaturazinha como exemplo. Talvez – só talvez – se passássemos mais tempo concentrados em nossas próprias vidas, e nos fatores que de fato nos dizem respeito – ao invés de nos distrairmos com o que acontece no mundo à nossa volta – conseguíssemos nos tornar seres mais equilibrados. 


Enfim – o que aquele bicho estranho me ensinou o seguinte: Problemas todos nós temos. O segredo para a convivência tranquila com nossos semelhantes é nos preocuparmos com os nossos – ao invés de perdermos tempo avaliando as atitudes alheias, que sequer nos dizem respeito, ou mesmo formulando julgamentos precipitados sobre o que acontece à nossa volta. Preocupe-se com a sua corda bamba, e deixe que eu me preocupo com a minha – atentemos, todos nós, para nossos próprios rabos. Afinal, se até aquele pequeno ser intelectualmente menos desenvolvido do que nós tem consciência de que sua existência depende somente disso, não deve ser sem razão.



5 comentários:

  1. Se cada um cuidar do próprio rabo sobra menos tempo pra cuidar do rabo alheio.
    Vou imprimir seu texto e distribuir para as minhas coleguinhas de trabalho, muito agradecida.

    Beijão seu lindo!!!
    Edi

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  2. Isso de "olhar nosso próprio rabo" é o grande desafio. Humanos estão seriamente acostumados a tomar 'rabo' por 'umbigo', e é aí que a bagunça se faz.

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  3. Cuidar do rabo alheio pode ter dois significados: ou você está tão bem resolvido, que pode se dar ao luxo de saber se o outro vai se equilibrar na corda bamba ou não. E, você já caiu no precipício mesmo, então, não tem mais saída.

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  4. Perspicaz e direto, Fabio, como sempre. Gostei do texto, e me lembrei de uma coisa que absolutamente toda pessoa que conversa comigo diz: “Eu consigo aconselhar os outros, mas não sigo os meus próprios conselhos”. Talvez já estejamos tão acostumados a cuidar da vida e dos problemas alheios que meio que “desaprendemos” a avaliar nossas próprias situações e lidar com elas de uma forma sensata, como fazemos com as dos outros. Gostei do seu texto e realmente dá pra se tirar um aprendizado com o pequeno animalzinho, haha. Parabéns.

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  5. Fi, todo mundo cai da corda bamba. O negócio é tentar acertar um local macio no processo.

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