sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Um minutinho

Ei leitor, você tem um minutinho para ler este texto?

Pobre de você se respondeu que “sim”. Os próximos minutos da sua vida, ou talvez horas, serão gastos aqui, comigo, em uma atividade que provavelmente se revelará muito menos produtiva que todas as demais que você tem planejadas para hoje. Se eu me empolguei e escrevi demais, seu cronograma diário será decerto atrasado por minha culpa. Minha culpa? Sua culpa, na verdade, que caiu em um dos mais antigos contos do vigário da história.

Gente que pede “um minutinho da sua atenção”, em geral, não dá a mínima para o seu tempo. O desavisado que cede míseros sessenta segundos acaba perdendo muito mais tempo e dignidade do que pretendia quando tentou apenas ser simpático. E este cruel artifício, que pode até mesmo ser considerado uma forma de tortura psicológica, só é utilizado pelos malas de carteirinha: Testemunhas de Jeová [“Bom dia... A senhora teria um minutinho para a palavra do Senhor?”]; atendentes de telemarketing [“O proprietário da linha teria um minutinho para eu estar lhe passando uma promoção exclusiva?”]; pedintes [“Tem um minutinho, irmão? Eu podia tá matando, eu podia tá roubando...”]; eco-chatos [“Ei, você quer ajudar a salvar os pandas voadores da Namíbia da extinção? É só um minutinho...”]. E todos parecem ser devotos de Xerezade, personagem dos contos das Mil e uma Noites que escapou da morte graças à sua inigualável capacidade de emendar uma história na outra, para sempre, sem nunca concluir o discurso.

Acredito que o “um minutinho” não é senão uma variação menos pornográfica do “só a cabecinha”: Tentam te distrair com o diminutivo para baixar a sua guarda e, se você dá abertura, quando percebe já te enfiaram muito mais que o prometido. E você continua ali, suportando a dor da perda, pensando em como foi que se meteu naquela situação desagradável – e mais importante, pensando na forma mais rápida e menos insensível de se livrar do ser grudento. Ser este que – sinto informar – é provavelmente muito mais proficiente na arte de embromar do que você é na arte de escapar da embromação.

Assim, deixo aqui um conselho – a melhor saída para evitar aborrecimentos talvez seja justamente a mais óbvia: Não ceda nunca, em hipótese alguma, nem que sua vida dependa disso, minutinho algum a ninguém. Ninguém – nem mesmo àquele padre gente boa, ou àquele padeiro legalzinho que fica puxando papo com os clientes no balcão. Dê apenas o seu melhor sorriso, diga que está atrasado e continue com seus afazeres – é melhor prevenir, do que remediar. Mas se você não se agüenta de tanta benevolência, se não consegue ser antipático nem com um membro da Al-Qaeda, não se preocupe: A humanidade também pode fazer uso de sua paciência infinita. Na pior das hipóteses, você pode tomar para si a tarefa de distrair esses sujeitinhos e evitar que eles azucrinem gente como eu – gente que prefere a morte lenta e dolorosa à perdição de ser envolvido em um bate-papo cotidiano com alguém que eu não conheço, sobre um assunto que não me interessa. Sim, você pode fazer as vezes de “boi de piranha” – e nós, os impacientes de plantão, lhe seremos eternamente gratos por seu sacrifício.

Só não me olhe com arrependimento e nem venha me pedir socorro depois. Eu avisei.

[Este texto foi inspirado em uma conversa por MSN com @ursulafar, enquanto esta sassaricava para se livrar de alguém a quem havia cedido ”um minutinho do seu tempo“ – a tonta.]


10 comentários:

  1. Ei, peraí... Só um minutinho.
    Adorei mais esse. Vc sempre dizendo as verdades com esse jeitinho tão singular, cheio de acidez e azedume.
    Esse texto é tão bom que poderia ter se estendido por mais uns minutinhos, né?

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  2. Quantas horas preciosas que se foram, talvez dias, se somados os minutinhos gastos com todos esses tipos bem catalogados... só faltou mesmo a moça da 'pesquisa de opinião'.

    Por esses minutinhos perdidos que eu já dou um sorriso meio torto, e solto entre-dentes um "Hoje não vai dar mesmo, viu...". Afinal, se tempo é dinheiro, poderiam pelo menos oferecer uns dé-real cada vez que fizessem essa pergunta.

    Apesar que esse último foi bem gasto, me arrisco a dizer.
    x]

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  3. hahahahaha... rindo muito aqui do final, pobre Ursula...
    Eu às vezes dou meus minutinhos e sempre me arrependo, tenho que aprender a ser ruim, exceto aos queridos Testemunhas de Jeová, esses podem cair a mão de tanto bater que ninguém cede minutinho a eles aqui em casa, todo domingo de manhã a mesma ladainha, o cachorro que se diverte e dispensa vários minutinhos de latidas com eles rsrsrs...
    Ahn... vc tem um minutinho??
    Brincadeirinha!! Já peço uns 10 de uma vez ;)
    Beijo, Edilene

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  4. Nossa, gostei muito desse texto. Quem já não perdeu preciosos minutinhos com pessoas que não conhecem falando de assuntos que não nos interessam? Mais uma vez, você tá de Parabéns pelo texto!!!

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  5. hahaha!

    Na minha opinião, enquanto tiver gente que dá atenção, vai ter mala pedindo um minutinho, então é melhor q ninguém mais ceda.
    Sem dó, se o telemarketeiro não conseguir vender nada ele vai ter q arranjar outro emprego, o que é bom pra ele! Viu? Recusando vc ajuda as pessoas a terem empregos melhores ;)

    Eu adoro aplicativos como o fake caller... finjo que o celular tá tocando e me livro de mta gente assim XD

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  6. To ofendida. Pra você ficar na boa, eu que tenho que falar com a moça que vende panos do prato, o moço que vende espanador, a senhora que quer ler a mão...que saco ein?

    Não vou mais permitir que você use os meus minutinhos. ;)

    Beijoca

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  7. "Minutinho é o cacete" Tempo é dinheiro!

    ... E sobre a @ursulafar, ela é retardada!

    Beijo

    Vanessa Pinho
    www.mulherices.com.br

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  8. Cada vez melhor, né priminho? Me mata de orgulho com textos originas e tão, tão, tão reais que dão agonia. Seus textos retratam a tragicomédia da vida real [porque, pelo menos minha vida é uma piada] com uma precisão assutadora.

    PS: preciso de você urgentemente para bater papinhos inspiradores comigo, isso sim.
    PS2: Escute a Vanessa sobre a @ursulafar.
    PS3: Você gastou bem mais que um minutinho meu. Tem que ver isso aí

    Lílian Buzzetto do Mulherices - e da família, né?
    www.mulherices.com.br

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  9. Fnalmente alguém me entendeu. Chego a sentir dor física qdo me vejo dentro de um papo chato.

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  10. Se a pessoa precisa pedir "um minutinho" é porque não o merece. Se o assunto é mesmo grave e urgente, a criatura já chega falando. Esse é o fato.

    No mais, concordo com a Vanessa sobre a @ursulafar.

    @o_colecionador, que nada tem a ver com o Mulherices, graças a Deus!

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