sexta-feira, 29 de julho de 2011

Sobre idas e vindas

Malinha pronta encostada no batente da porta. De novo. Armário vazio, geladeira vazia, casa limpa... e vazia. De novo. No bolso, dinheiro que aqui, não vale nada – salvo por uns trocados separados para um café no aeroporto. ‘Trocados’ é eufemismo – porque todo mundo sabe que um café de aeroporto custa os olhos da cara.

Parece que o tempo passa diferente conforme a hora de partir chega. Você tenta aproveitar cada segundo daquele lugar que está deixando para trás, em uma tentativa quase desesperada de guardar na memória tudo o que não coube na mala. E se entristece por saber que não vai conseguir – especialmente se você tem uma memória de uva passa, como eu. Não obstante você tenta, se esforça para registrar o número de carros estacionados na rua, os rostos dos passantes que você sequer conhece, a sensação térmica de um dia qualquer. Cheiros. Gostos. Sons. É como se, na iminência de carimbar o passaporte, você se tornasse uma besta sinestésica e super-emotiva. Pura idiotice, eu sei – mas uma idiotice inevitável que só entende quem está ou já esteve prestes a deixar tudo (ou quase tudo) para trás.

Saudade é um troço traiçoeiro, que parece que aperta mais quando você está prestes a ir embora do que quando você já foi. Nos dias/horas que precedem a partida, você não consegue sair sequer para comprar um pão sem pensar que aquela será a última vez que você visitará aquele estabelecimento em muito tempo. Você passa por aquela árvore velha no caminho e nota que as folhas jovens que pendem dos galhos não estarão mais lá quando voltar. Será que aquele cachorro da rua de baixo continuará latindo pra mim quando eu descer do ônibus que vem do aeroporto? Não sei. Será que o motorista será o mesmo? Não faço idéia. E convenhamos, nenhum desses detalhes tem a menor importância prática – eu provavelmente nem vou lembrar disso quando estiver vindo para casa. A não ser por agora – agora, perceber cada detalhe parece a coisa mais importante do mundo.

Mas não é só a saudade que nos corrói nesses momentos – a incerteza também se torna uma companheira inconveniente. Porque você não tem a menor idéia do que diabos o futuro te reserva a partir do minuto em que você tira a chave da fechadura e sai mundo a fora, arrastando a mala atrás de si. Você pode ser a pessoa mais organizada do mundo, e ter a plena convicção de que cuidou de absolutamente todos os aspectos da viagem e que nada pode dar errado. Mas pode, ô se pode. Será que eu peguei MESMO o passaporte? Será que minha reserva de passagem foi registrada no sistema? Será que eu não confundi a data da viagem? Será que meus anfitriões falam inglês? Será que vão entender o MEU inglês? Será que eu vou achar a linha de trem que vai para o hotel, e vou conseguir descer na estação certa – ou será que vou acabar de mala e cuia em algum país bizarro, habitado por canibais devoradores de estrangeiros desavisados? Não há como prever. Ah, você acha que nenhuma dessas preocupações faz o menor sentido? Talvez não façam de fato – mas incerteza é isso: Uma espécie de paranóia burra sem nenhum compromisso com a realidade.

Eu odeio viagens longas – acho que já deu pra ter uma idéia a esse ponto. E no entanto, o fato de ser acometido por todo tipo de neurose crônica que eventos desse tipo podem causar me faz achar que eu sou um cara de sorte. Não nasci com o pé na estrada, e não tenho a menor vocação para o nomadismo – e boa parte disso se deve a um fato muito simples: Felicidade. Talvez uma felicidade circunstancial, até momentânea – que foge um pouco daquela Felicidade poética e eterna perseguida pelos românticos nos livros de cabeceira das solteironas – mas felicidade, ainda assim.

Aqui eu faço diferença – ou ao menos o aqui me faz diferença. Aqui eu tenho meu lugar, minhas pessoas, meus sorrisos. Aqui eu tenho uma vida inteira pela frente. Lá? Eu não sei o que eu tenho lá – e desconfio de que, pelo menos por enquanto, eu não tenha nada. E é só por isso que sinto essa tragicômica identificação com os participantes daquela brincadeira “Quer trocar?” dos programas infantis matinais da década de oitenta, em que o cidadão tinha que responder ‘sim’ ou ‘não’ sem saber o que estava sendo perguntado: “Você quer deixar tudo o que conquistou até agora para trás, e trocar uma vida sólida e feliz, rodeado por gente que te ama ao seu alcance, por um futuro incerto, em um lugar que você não conhece e sem certeza de sucesso?” – “Siiiiiiiiim!”.

Estes últimos dias aqui – na minha casa, na minha vida, no meu mundo – me ensinaram um novo significado para o conceito de melancolia. Mas não foi só isso – aprendi também uma nova definição para essa tal de Felicidade – essa coisa tão misteriosa que todo mundo persegue, mas ninguém sabe definir direito o que é. Felicidade é ter do que sentir saudades – assim, pura e simplesmente. Não é ser reconhecido profissionalmente, não é ter dinheiro, não é rir de tudo o tempo todo. Felicidade dói, às vezes – incomoda, perturba, te deixa amuado e até com raiva. No mais, é tudo aquilo que os livros contam – e por isso, compreendo essa busca frenética por ela que cada um de nós protagoniza todos os dias. E eu tenho do que sentir saudades – tenho muito. Só espero que estes tesouros todos que eu colecionei por estes meus anos continuem aqui quando eu voltar, em um futuro tão próximo e ainda assim tão distante... que eu queria que fosse hoje.

So long, farewell  auf Wiedersehen, goodbye – espero encontrá-los aqui quando eu voltar. E nesse meio tempo, espero que vocês todos colecionem saudades a rodo.

Vou ali.


sexta-feira, 10 de junho de 2011

É o amo-o-o-or

Já é aquela época do ano, suponho -- os pares já começaram a trocar carícias mais acentuadas em público e sorrir bobamente por aí. Assim, já é aquela mesma época do ano -- aquela em que eu deveria escrever um texto boicotando o Dia dos Namorados. Né? É. Mas não vou. E se você veio aqui esperando por derramamento de sangue inocente dos corações apaixonados, adeus (ou não -- você pode reler o texto do ano passado).

(E sim, eu tenho uma metade para a minha laranja. E se por isso você veio aqui esperando um texto meloso e bonitinho, você obviamente não me conhece -- então adeus também.)

No entanto, tentarei me ater ao tema corrente. Pois sim, você advinhou -- vamos falar sobre Amor Romântico, ou como é conhecido por aí, simplesmente "Amor". É, Amor -- sabe o tal Amor? Aquele sentimento lindo, que move montanhas, que justifica toda e qualquer existência e que deveria ser o objetivo de todo e qualquer ser vivo na Terra? Esse mesmo. Esse, que ninguém sabe o que é, ninguém sabe sequer se existe, mas todo mundo deseja pra si. Essa mosca branca aí.

Sim, você entendeu direito -- eu estou dizendo que ninguém sabe o que diabos é o Amor. Porque se você perguntar para qualquer um, terá respostas tão absurdamente variadas que continuará sem saber também -- mais ou menos como naquelas pesquisas da TV em que o repórter pergunta aos passantes de alguma avenida idiotices como "Você sabe o que é Inclusão Digital?". Um poeta vai te responder que é "pura poesia, o mais nobre dos sentimentos". Um apaixonado vai te dizer que "é o que faz com que ele saia da cama todos os dias". Um cético vai afirmar que "são respostas a reações químicas que estamos programados a sentir para garantir a continuaidade da espécie". Um nihilista vai atestar que é "uma bobagem inventada para tornar a vida das pessoas menos miserável". O Zezé de Camargo vai te cantar uma música brega. E por aí vai. 

E se você perguntar para este autor... bem, minha resposta será um bocado mais longa, cinzenta e um tanto menos informativa -- mas vamos lá, afinal eu tenho um texto para desenvolver. Penso que o Amor é um troço besta de tudo, mais ou menos como um pé de couve -- algo que todo mundo tem perfeitas condições de obter, desde que esteja disposto a ir até a vendinha da esquina, pagar o preço, levar pra casa e cuidar direito pra não morrer. Não é poesia. Não é um artefato mágico. É um item de consumo, algo que a gente tem em alguns momentos da vida e não tem em outros -- e sobrevive sem maiores problemas nas duas situações. Você morre se não puder comer a couve da sua hortinha no almoço? Não morre. Assim como você não morre se ficar solteiro por um, dois ou quarenta anos. É chato, porque você gosta de couve -- mas ela não é essencial para a sua sobrevivência como o oxigênio que você respira.

E aí vem outra questão -- a busca pelo tal Amor. Todo mundo resmunga que "ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém esquenta meus pés nas noites de inverno" (compra uma meia, sua besta). Mas a verdade é que a maioria destes pobres indivíduos mal-amados não conseguiria reconhecer uma oportunidade romântica genuína nem mesmo se esta fosse um elefante vermelho, vestido de palhaço e cantando "Strawberry Fields Forever" há dois metros de distância do seu próprio nariz. Pode soar irônico, mas acredito que a maioria de nós passa metade da vida procurando uma alma-gêmea, e outra metade da vida fugindo dela -- sem sequer se dar conta disso. 

O que eu estou dizendo é que, se encontrar esse "Amor" é algo assim tão importante, talvez nós devêssemos tentar persegui-lo menos e olhar mais em volta. Vejo gente -- muita gente -- encasquetando em conseguir para si fulano, ciclano ou mesmo algum ideal inatingível de relacionamento -- enquanto há uma dúzia de "Amores Verdadeiros" ali mesmo, do outro lado da rua, esperando por uma chancezinha de existir. Pior -- vejo gente que já encontrou essa coisa de Amor, mas não acha que é aquilo ou não se preocupa em cuidar -- e acaba abrindo mão para tentar encontrar algo melhor. E se estrepa, é claro.

Pois é, em resumo é isso que eu penso sobre o Sublime-Sentimento. Amor, pra mim, é setenta por cento de Atenção. Cético? Talvez. Romântico? Nem um pouco. Mas realista. E se eu pudesse terminar o texto com uma frase feita batida, ela seria a seguinte: "Felicidade é amar tudo o que você tem, e não ter tudo o que você ama" -- mas não posso. Então, termino com um conselho que valeria tranquilamente para oitenta por cento da população: Pare de perseguir mais do que você já tem, merece ou pensa ser a chave da sua felicidade, ô seu energúmeno. Tudo o que você precisa está, provavelmente, ao alcance dos seus dedos -- se é que já não está na palma da sua mão. 



sexta-feira, 27 de maio de 2011

Mintamos, então

Não entendo muito bem esse asco generalizado que a maioria das pessoas diz sentir pela mentira. Em minhas andanças por esse mundão de meu deus, posso dizer seguramente que nunca – N-U-N-C-A – encontrei um ser humano sequer que se declarasse amigável a este injustiçado artifício social tão frequente em nossas vidinhas. Todo mundo se proclama defensor supremo da verdade, sempre, aplicada irrestritamente doa a quem doer – esse é o senso comum. Pois bem, caro leitor, sinto informar – mas a verdade é overrated. A mentira é o que move as engrenagens do mundo.

Péra. Eu vou explicar.

O negócio é o seguinte: A verdade é que todo mundo adora a mentira (que trocadilho mais besta), mas não assume – porque gostar de mentira é feio, é pecado, é sei-lá-mais-o-que-do-diabo-a-quatro. E aí a gente inventa outros nomezinhos meigos para ela – lenda, folclore, boato, falácia, conto, “versão de fulano”, “segundo ciclano”. E nos apoiamos nestes nomezinhos meigos para nos convencermos (afinal, mentir para si mesmo é babaquice – se convencer de algo é coisa de gente culta) de que estamos em acordo com a toda-poderosa-salve-salve verdade. E “acreditamos” que, se aquele fulano de nossa confiança está dizendo algo sem pé-nem-cabeça, é porque deve ser verdade. Se disseram na TV, é porque devem existir comprovações. Se beltrano está sofrendo, é porque deve ter sido injustiçado. Mas ninguém nunca deve estar mentindo. Porque mentir é feio, é pecado, é... blá-blá-blá.

Assim, proponho que paremos, afinal, com essa apologia exagerada à verdade.  A Verdade não é sequer assim tão interessante – vem sempre desarrumada, sem maquiagem, esquece de pôr os brincos e usa sapato da coleção passada.  A Mentira está sempre na moda e se enfeita como ninguém – traz aquele ar de mistério que todo mundo adora e se empanturra de penduricalhos legaizíssimos e decotes provocantes. A Mentira sempre tem convites para sair no sábado à noite, quando a Verdade fica em casa rezando o terço e assistindo Zorra Total. Ninguém se importa de fato com a Verdade – ela é aquela menina estranha da sala que todo mundo sabe que tem potencial, mas acha que nunca vai chegar a lugar nenhum. A Mentira? Sempre tem alguém interessado na Mentira. E é muito mais fácil se enturmar com os coleguinhas se você também gosta da menina mais desejada da turma – seja lá o que for que ela tem (ou não) a mais do que as outras.

Mas como sempre, nem tudo está perdido. Porque entre a verdade e a mentira, há aqueles de nós que se reconfortam na definição da tal “mentira branca”. Essa está acima de qualquer suspeita – uma espécie de coringa que todo mundo mantém na manga para qualquer eventualidade que lhes exija mentir descaradamente. E esses, esses mesmos, talvez sejam os mais indicados para me tirar a seguinte dúvida: Desculpem a “inguinorança”, mas mentira branca é, ao que me parece, mentira. Seja ela branca, verde, azul ou cor-de-rosa – é mentira. Não é? Ah, então tá.

Mas esse texto obviamente se trata de um absurdo sem sentido. É mesmo? Então vamos lá: Desafio o leitor cagador-de-regras honrado a passar um dia – sim, um diazinho só – dizendo somente a verdade por aí. Sugiro que tente responder “você está gorda nele” a qualquer senhora que lhe pergunte se “está bem naquele vestido caríssimo”. Sugiro que não diga que “aquela foi a melhor noite da sua vida” quando questionado por seu par se se divertiu naquele primeiro encontro. E recomendo que pergunte “mas será que você não está dizendo isso porque está magoada?” para aquela amiga que veio chorar as pitangas no seu ombro e disse que “quase teve seu coração arrancando do peito pelas garras daquele ex namorado monstro-feio-bobo-chato-quase psicopata-devorador de moças puras”. É isso mesmo – estou pedindo para que você pare de me ler com esses olhinhos repletos de julgamento e siga com sua vidinha correta – mas não sem antes praticar este pequeno exercício. Valendo.

E para aqueles que continuam aqui comigo, deixo ainda outra sugestão: Abaixemos a verdade. Não é a mentira que todos esperam e apreciam? Mintamos, então. Abracemos sem medo a realidade, enfiemos o pé na jaca, assumamos o filho preto de uma vez. Particularmente, não acho que haja nenhum problema em darmos ao mundo o que o mundo quer. Sério – acho altruísta, até.

E finalmente, para os que AINDA não me abandonaram – antes de mais nada, vocês tem muito tempo livre nas mãos. Mas recompenso sua paciência – que eu mesmo não tenho – com uma terceira e muito mais conveniente alternativa: Continuemos todos felizes e sapecas idolatrando a verdade e aplicando aqui e ali uma mentirazinha branca de vez em quando. Afinal, ficar em cima do muro é sempre mais confortável – acredito até que todo muro que se preze seja repleto de poltronazinhas muito bem acolchoadas, com uma trupe de garçons servindo café e canapés à vontade. Se esta for a sua opção, é só subir aquela escadinha ali na frente. Mas entre na fila, porque ela é longa.  


sexta-feira, 6 de maio de 2011

Vende-se




Descrição

Vendo caráter semi-novo, em perfeito estado de conservação. Apresenta alguns sinais de desgaste, mas funciona perfeitamente. Não requer manual de instruções, montagem ou conhecimento técnico – está pronto para uso. Item de fácil manutenção e indispensável para quem deseja passar uma boa impressão no trabalho, com os amigos e familiares. Não perca esta oportunidade! Acompanha caixa/isopores originais e nota fiscal.

Histórico do produto

Recebi de presente quando nasci – herança de família – e utilizei diariamente desde então. Montei no decorrer dos anos (sempre utilizando peças originais) e cultivei com carinho e cuidado, mantendo-o sempre lubrificado e bem armazenado. Nunca foi trocado e nunca deu problema, embora às vezes se comportasse como se tivesse vontade própria, sem que fosse ativado (o fabricante me informou que isso é normal e até previsto). Trata-se, portanto, de um item de colecionador, fora de catálogo e perfeitamente funcional. Raridade hoje em dia!

Motivo da venda

De uns tempos para cá, este item tem caído em desuso em meus círculos sociais. Tenho notado que cada vez menos amigos/colegas o utilizam, e mesmo os que sempre ostentavam seus próprios exemplares o tempo todo estão se desfazendo deles. Quando levo meu caráter a eventos sociais, sempre sou muito elogiado por meus pares à primeira vista – mas quando viro as costas, tenho a impressão de que os elogios se convertem em risadinhas e comentários maldosos na linha de “Que sujeito maluco, usando uma coisa antiquada dessas em pleno século vinte e um!” ou “Tadinho, esse aí pensa que vivemos na época dos nossos avós...”. Já ouvi também coisas como “Ah, esse caráter aí, sei não... deve ser de alguma marca vagabunda, imitação meia-boca do oficial”. Posso garantir que esse útimo não é o caso – trata-se de fato de uma peça original e de muito boa qualidade, de forma alguma uma imitação.

Pensei em guardar o item no armário e esperar que volte a ser popular por aí, mas acredito que isso possa demorar a acontecer – e sinceramente acho um desperdício deixar algo tão valioso e em condições tão boas apodrecer numa prateleira empoeirada. Assim, prefiro passá-lo para frente para quem possa fazer bom uso.

Formas de pagamento/envio:

Envio por conta do comprador. Aceito cartões de crédito, depósito bancário, dinheiro vivo e Sedex a cobrar. Não aceito trocas.


SÓ DÊ SEU LANCE SE TIVER CERTEZA DA COMPRA. Após iniciada a transação, desistentes serão negativados. Assim, tire todas as suas dúvidas antes de clicar em “Comprar”!



Perguntas ao Vendedor

Usuário Patyzinha95 perguntou:
Olá, vendedor! Estou interessada no produto. Aceita cartão de crédito? Funciona bem em baladas, bares, etc? É bem visto na alta sociedade? Obrigada! =D

Vendedor respondeu:
Olá, Patyzinha95! Aceito cartão sim. Não sei dizer se funciona bem nesses contextos, porque não os frequento. Se é bem visto na alta sociedade? Bem, depende muito. Acredito que seja bem visto independentemente de condição social ou financeira, em geral por outros usuários de itens semelhantes. Quem não tem ou nunca teve acha um tanto inútil. Espero ter esclarecido! J

Usuário PsicopataMorenoAlto perguntou:
Opa, tô precisando de algo assim pra um projeto pessoal, aqui. Aceita troca num Playstation 3? Volto um pacote de balas Juquinha e dez cartuchos de Manipulação também.

Vendedor respondeu:
Olá, PsicopataMorenoAlto! Desculpe, não estou interessado em trocas no momento. Grato.

Usuário apressadinho_30 perguntou:
Oi, quanto fica o frete para 09090-492? Faz desconto para pagamento à vista?

Vendedor respondeu:
Olá, apressadinho_30! Fica em trinta reais. Faço desconto de dez por cento para pagamento à vista. Aguardo seu lance!

Usuário Político_DF perguntou:
Olha, meu caro, acho que você está um pouco fora da realidade. Seu item está muito mais caro do que os outros aqui do site. O meu mesmo eu estou vendendo por muito menos.

Vendedor respondeu:

Olá, Político_DF. Vi seu anúncio – não se trata de um item de mesma qualidade que o meu. Obrigado e boa sorte.

Usuário BombadoPegador perguntou:
Fala, brow! Ow, isso aí ajuda a pegar mulher???? Se ajudar dou o lance agora mesmo. Valew!!!

Vendedor respondeu:
Olá, BombadoPegador. Então, depende do tipo de mulher que você procura – moças que também tenham caráter certamente se sentirão mais atraídas por você se você tiver (e usar!) o seu. Outras, no entanto, preferem rapazes que não o tenham; encontramos mulherer (e também homens, vale dizer) de ambas as classes todos os dias. A eficácia do meu produto vai muito de o que você pretende conquistar com ele.

Usuário filósofa_bem_intencionada perguntou:
Oi! Então, eu queria saber se eu conseguiria usar seu caráter numa boa – afinal ele não é meu de nascença. Será que tem algum problema em eu adquirir e usar o caráter que já foi de outra pessoa?

Vendedor respondeu:
Sinceramente não saberia dizer. Eu, particularmente, sempre utilizei esse caráter mesmo e ele sempre me serviu bem nestes anos todos; nunca ouvi nenhum caso de caráter adquirido pós idade-adulta – normalmente é algo que se é transmitido (ou não...) durante a criação (pelos pais e afins) e cultivado à medida que se amadurece. Acredito que não haja problemas, e seu próprio interesse em adquirir meu produto me leva a crer que funcionará sem problemas. Mas não posso garantir. Desculpe! L


sexta-feira, 8 de abril de 2011

Eu queria


Eu queria; eu juro que eu queria.

Queria ser capaz de dormir, de descansar por essas duas horas que tenho antes que a carona para o aeroporto chegue – mas não consigo. Não consigo pregar os olhos, não consigo esvaziar a cabeça. Não consigo deixar pra lá os problemas que me povoam a mente – a dor da decepção por saber o que eu sei, a dor da dúvida por não saber o que desconheço. E dói, ah como dói, não conseguir aceitar a falibilidade desta raça incompleta a que pertenço, em que a nobreza, a lealdade e a honestidade são tratadas como comodities – apenas moedas de troca utilizadas para adquirir pessoas como se fossem propriedades em um tabuleiro de Banco Imobiliário; propriedades adquiridas não por mérito do “comprador”, mas sim por pura estratégia – aquisições motivadas pelo intuito de privar outros jogadores de ostentá-las, uma espécie de “eu tenho, você não tem”. Não consigo compreender as regas do jogo – ou melhor, até as compreendo, mas não vejo propósito em me fazer adversário à altura neste jogo tão cruelmente infantil que são as relações humanas. Eu queria, eu juro que eu queria. Mas não consigo.

Eu queria ser capaz de relaxar ao som da chuva que me acompanha enquanto escrevo estas linhas nesta madrugada de segunda-feira. Mas os pingos que caem lá fora me remetem às lágrimas que eu conheço bem, lágrimas que eu já estou cansado de derramar e que já me conformei em não colher de volta. Lágrimas por amigos, confidentes, conselheiros, que exercitaram a divina dádiva do livre-arbítrio para se converterem em aliados de quem escolheu a posição de adversário político em uma guerra fria da qual eu, particularmente, escolhi não participar. E que preferiram abandonar a sensatez da neutralidade sobre um conflito particular – que sequer deveria existir em primeiro lugar – para se tornarem casualidades de uma batalha em que não haverá vencedor. Eu queria, ah, como eu queria. Mas não posso.

Eu adoraria receber de volta o mesmo carinho, a mesma atenção, o mesmo cuidado que dediquei por todos estes meus poucos (?) anos de existência a meus “bons” amigos – ou ao menos gostaria de nunca precisar tê-los de volta. Mas minha natureza falha de bicho-gente me faz fraco, me faz refém do apego àqueles com quem convivi por anos, com quem partilhei segredos, experiências, momento difíceis e alegres – mas que, para a minha surpresa de criança grande, não se mostram reféns dos mesmo sentimentos que eu.

Eu queria viver em um mundo diferente deste aqui. Queria viver em um mundo em que eu fosse mais como os outros, ou em que os outros fossem mais como eu. Uma terra em que se desse mais valor ao amor e à amizade – ou em que eu fosse capaz de valorizá-los menos. Um mundo em que as ações significassem mais do que as palavras sussurradas ao pé-do-ouvido após reuniões secretas. Um mundo povoado por seres mais atentos, que soubessem distinguir a boa intenção genuína do veneno administrado em doses açucaradas por um conta-gotas disfarçado em compaixão. Eu queria – ninguém pode me culpar por querer.

Queria que o eloqüente não tivesse mais voz que o calado. Queria que o divertido não fosse mais aceito que o recluso. Queria que o cinzento fosse tão legítimo quanto o preto e o branco. Queria que o sorridente não fosse mais aclamado que o triste, e que o certo e o errado não fossem julgados como valores absolutos por quem não conhece a história por completo.

É... eu queria. Mas eu sou apenas um louco desvairado que escreve textos senis, mais uma dessas pobres almas que se perderam em algum momento no passado quando se ergueram e disseram “não mais”. E que como tal, é digna de pena – mas não de defesa ou opinião próprias. E que mesmo não apresentando antecedentes criminais, se vê sentado sem advogado no banco dos réus de um tribunal manipulável, sob o martelo de um juiz que não se preocupa em sequer conhecer os fatos antes de aplicar a sentença em um julgamento por um crime que nunca existiu. E se tentar aprender com os próprios erros me faz insano, só me resta ser declararado culpado por todas as acusações.

Eu queria querer ter feito tudo diferente – adoraria preferir ter me escondido no conforto das aparências. Mas no auge da minha loucura, o arrependimento se faz ausente. Eu queria querer, juro que queria. Mas isso – disso estou convicto – isso eu não quero. 


sexta-feira, 1 de abril de 2011

Relacionamentos

Eu tenho algo duro a compartilhar. É um fato desses tantos imutáveis, que todo mundo odeia, dos quais todos reclamamos e sobre os quais todos queremos evitar de pensar a respeito – mas ele continua lá, como se fosse uma das principais engrenagens que movem o mundo. E você, caro leitor, faz parte do mundo – vale lembrar. Preparado? Tá, eu espero. Pronto? Então vamos lá.

Relacionamentos, muitas vezes, não. Dão. Certo.

Calma.

Respire fundo, e tente não perde a fé na humanidade, no amor e nas coisas belas por causa do que eu acabo de revelar – a coisa é assim mesmo, sempre foi e sempre será. Não é niilismo – não sou eu quem faz as regras. Pode parecer revoltante a princípio, uma espécie de piadinha de mau-gosto de alguma criaturinha divina – eu sei, eu sei. Mas a questão é que ninguém nunca ouviu falar de nenhuma morte natural que tenha ocorrido graças ao término de um casamento/namoro/união estável, por mais linda, exemplar e parecida com os contos de fadas da Disney que esta fosse até o fatídico acontecimento.

A verdade científica por trás dos relacionamentos é que eles são projetados, quase todos, para não darem certo. Triste? Talvez. Mas a regra é clara, e existe há mais tempo do que o conceito de “amor eterno”: Da mesma forma que um bicho precisa morrer para que outro sobreviva, um grande amor precisa ir para o saco para que outro(s) tenha(m) a chance de existir. E mesmo esse grande amor que agora dá seus últimos suspiros, um dia, surgiu do vácuo de um outro grande amor que deixava de ser. Está acompanhando, leitor? Não é niilismo. É realidade.

O plano da Mãe Natureza é que você passe boa parte da sua curta vidinha tentando encontrar a sua cara-metade – e falhando miseravelmente. E aí, em um belo e ensolarado dia em que os passarinhos cantam e as flores desabrocham, você acha que encontrou AQUELA pessoa e tenta investir naquilo. E depois de um tempo, aquilo acaba. E você sobrevive, aprende com os seus erros (e os do outro) e se torna uma pessoa melhor – ou ao menos mais experiente – que só faz chorar pelos cantos de forma imprestável por umas horas/dias/meses/anos. E aí você supera mais uma desilusão amorosa e retorna ao início deste parágrafo, em um ciclo quase infinito. Sim, quase infinito – porque a Natureza sabe que, mesmo você dizendo que nunca mais vai ser feliz, que nunca mais quer se envolver daquele jeito com ninguém, e que nada daquilo é justo e tampouco aceitável, você vai tentar de novo. E sabe também que tudo o que você diz no período de sofrimento e luto é a mais pura balela, coisa de criança mimada que não sabe perder – que é precisamente o que todos somos aos olhos de Mamãe Terra. É só questão de tempo até que você pare de resmungar e retorne ao “modo de procura” – não importa o quanto você choramingue e diga que quer morrer.

Reflitamos: Se um indivíduo monogâmico tradicional tiver N relacionamentos durante a vida, pelo menos N-1 estarão fadados a fracassar em algum momento antes que ele bata as botas. E em boa parte deles, em algum momento, os envolvidos pensarão que aquele, aquele SIM, é para sempre. Mas estatisticamente, a chance de se estar errado com uma afirmação dessas é colossal. “Mas não custa ter esperança, caro autor!”, você protesta. Não, de fato não custa – e é até aconselhável que você não embarque em uma canoa a dois achando que ela vai afundar antes mesmo de partir. Mas acredito que também não custe muito ter em mente que o mundo não é apenas um pano de fundo para as suas vontades, e lembrar que tentativa e erro são a base do desenvolvimento de qualquer espécie. E assim, chorar o leite derramado quando o caldo entorna não é, a meu ver, nada mais do que perda de tempo. Seu amor foi embora? Bateu a porta atrás de si e deixou apenas um fio de cabelo em seu paletó? Escreva uma canção sertaneja, recomponha-se e bola pra frente. Porque é assim que as coisas são, desde que o mundo é mundo – e não é você quem vai conseguir mudar o que se instaurou em anos de evolução.

Acredito no amor verdadeiro – e naquela coisa toda do “que seja eterno enquanto dure” que todo mundo gosta de citar por aí. No entanto, acho importante enfatizar o “enquanto dure”. Não é porque fulano não quis mais ficar com você/voltar para você, que ele nunca te amou. Tampouco isso faz dele um louco/cretino/babaca/mentirososalafrárioidiotacachorro. Talvez, e só talvez, ele apenas esteja seguindo em frente após mais uma dessas tantas tentativas falhas, e tentando ser feliz – coisa que você, se já não estiver fazendo também, ainda fará. E também acredito que quanto menos tempo passamos “odiando” nossa ex-última-bolacha-do-pacote porque ele não quis continuar no nosso pacote, mais tempo temos para dedicar à nossa própria busca pela felicidade. Que é cheia de decepções e mágoas – é verdade. Mas são justamente as decepções e mágoas que constroem o nosso caráter.

Esse foi o contrato que todos nós assinamos com o mundo quando resolvemos passear por aqui. Aceitemos as entrelinhas. 

 

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Depressão


No final de 2010, recebi de um leitor um texto para publicação no Paciência. "Pesado", pensei. Guardei e acabei não postando.
Hoje, relendo os escritos do rapaz, achei um desperdício não tê-lo postado ainda. Você pode conferir outros textos do autor (poesia) no aqui: Se, entretanto, porque, portanto, como...

Obrigado pela contribuição, G. O. Seu blog já está linkado no "Leio e recomendo".

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Ele abre os olhos. A claridade que entra pela janela fere suas retinas, como se estivesse pacientemente esperando pela oportunidade de ser a primeira a saudá-lo da forma mais agressiva possível. "First blood", ele pensa, enquanto sorri ironicamente -- um sorriso falso, quase imperceptível, de canto de boca. Mais um dia pela frente. Mas antes disso, é preciso sair da cama -- sua algoz e amante. E ela se utiliza de todas as suas artimanhas vis para evitar que isso aconteça.

Relógio. Se acostumando aos poucos à claridade açoitante, ele busca o relógio. O display exibe os números em uma tonalidade de branco fria, indiferente: Um, cinco, dois pontos, três, zero. "Só mais quatro horas para o anoitecer", ele se reconforta. Nos últimos tempos, era no relógio que ele encontrava seu leal companheiro -- o objeto havia se tornado seu derradeiro vínculo com a realidade. Para ele, o tempo parecia passar de forma diferente, ao ponto de tornar-se impossível manter uma noção mínima do passar das horas. Dia e noite, eram as únicas coisas que ele reconhecia. Relógio e calendário -- ele precisava de ambos para sentir-se mais humano. "Tudo passa", imaginava, "até o tempo passa, mesmo que eu não perceba". E a cama continuava a vencê-lo com uma diplomacia impecável.

Motivação. Ele busca na memória qualquer resquício de obrigação que lhe sirva, mesmo que contra a sua vontade, como pretexto para se levantar. O emprego com horário flexível, outrora tão conveniente, é agora mais um de seus tantos antagonistas invisíveis. Não, o trabalho não é o caminho -- e mesmo que fosse, sua concentração seriamente debilitada não o permitiria dedicar-se às suas obrigações profissionais por muito tempo. Um hobby, talvez? Ele se imagina envolvido em inúmeras tarefas que outrora lhe dariam prazer -- a leitura, uma cerveja com amigos, um bom bate-papo, a escrita -- mas nenhuma parece convidativa agora. A cama parece abraçá-lo com garras invísiveis, que agem sobre seu corpo inerte como uma droga paralisante.

"Drogas" -- ele olha contemplativamente para a caixa azul e vermelha que jaz sobre o criado-mudo. "Clomipramina", lê-se no rótulo. Ele pensa se a motivação que procura não estaria ali, ao seu alcance, perdida entre as cartelas do antidepressivo. "Um comprimido por dia, na hora do jantar" -- as palavras da psiquiatra, proferidas uma semana antes, retornam à sua mente como que com o único intuito de desencorajá-lo a recorrer à ajuda química. "Pros diabos", ele pragueja, "não está funcionando, de qualquer forma. Só mais quatro horas e já será hora do jantar e..."

"Quando foi a última vez que comi?" Ele não se recordava. Fazendo um esforço homérico, se lembra do sanduíche ingerido há quarenta e oito horas -- a última vez em que sentiu fome. "A clomipramina vai abrir seu apetite" -- novamente as palavras da sorridente psiquiatra retornam à sua memória. O sorriso apagado retorna ao canto da boca, e ele se recorda das palavras de um velho amigo: "A medicina é uma ciência medieval -- pura tentativa e erro." Se dirigindo para a caixa sobre o criado-mudo, como se ela fosse capaz de ler seus pensamentos, ele balbucia em um sussuro meramente audível: "Erro."

Seu companheiro, por outro lado, trabalha incesantemente. Um, seis, dois pontos, dois, quatro. Ele reúne as energias acumuladas pela longa noite de sono -- como pode sentir-se exausto, mesmo após dormir tanto? -- e se senta na cama. Um suspiro de alívio se segue à pequena vitória. A cama, por sua vez, não se dá por vencida -- e parece gritar para que ele se deite novamente. Um urro hediondo, ele pensa, mas magnético: Basta que ele se deixe cair, basta que ele pare de lutar contra o mundo, e tudo ficará bem. Mas ele sabe que não pode. E de forma nada resoluta, ele arrasta as pernas -- primeiro a esquerda, depois a direita -- e toca os pés no chão. Está de pé.

Enquanto pensa no próximo passo, ele acende um cigarro de cravo -- o primeiro de muitos, naquele dia. A fumaça que escorre para dentro de seus pulmões lhe traz um breve bem estar -- que nem os comprimidos, nem o álcool, nem o descanso parecem ser capazes de produzir sobre aquele corpo e mente abatidos. "Nem sempre foi assim", ele recorda, "nem sempre eu fumei tanto". Ele volta o olhar para o criado mudo, uma teceira vez, e completa mentalmente: "E eu nem sempre precisei de comprimidos. Não até que eles surgissem. Não até que eles me derrubassem."

Eles. Ele evitava de pensar neles, crendo que sua sanidade dependia diretamente de sua capacidade de mantê-los soterrados num canto escuro da memória -- lembranças de um pasado que nunca poderia ter feito parte de sua história. Mas todos os dias eles retornavam, mesmo que por alguns segundos, na forma de fantasmas que se recusavam a ser exorcizados. E embora já tivessem partido há meses, o rastro de destruição deixado nas ruínas do que ele havia sido um dia o impediam de esquecer. Os cacos que ele tentava juntar ainda estavam ali -- lembretes da pilhagem cruel protagonizada por aqueles monstros. E embora ele fosse ávido entusiasta por quebra cabeças, não conseguia se divertir em tentar juntar suas próprias peças. Não conseguia montar uma figura que sequer se aproximasse de um ser humano. Relógio e caledário -- sua humanidade residia em seu relógio e calendário.

Comida. Ele decide que, com ou sem fome, não pode completar três dias consecutivos sem comer qualquer coisa que seja. Olha pela janela e assiste os passantes, alheios à batalha travada diariamente dentro daquele apartamento térreo mínimo. Assiste e os reconhece como ameaças -- o mundo exterior lhe parece particularmente assustador há dias. Mesmo assim, ele decide sair. "Um pouco de normalidade", ele pensa. "Sair, ver gente, comer. Vai me fazer bem." Ele se dirige à porta, gira titubeantemente a chave e sai.

O caminho até o restaurante é longo -- ou lhe parece interminavelmente longo. A claridade e a brisa morna do entardecer o fazem sentir-se deslocado, como se ele não fizesse parte daquele cenário. Mas ele caminha. As vozes dos passantes parecem proferir palavras alienígenas que ele não compreende -- como se tivesse desaprendido seu próprio idioma. Seus olhos voltados ao chão, sempre, como se estivessem procurando alguma coisa -- talvez sua motivação perdida. Mas ele sabia que não a encontraria -- pois sua motivação não havia caído de seu bolso como um molho de chaves, não; havia sido arrebatada de seu íntimo. Arrebatada por eles.

O chacoalhar da cabeça para dissipar aquelas lembranças coincide com a chegada ao restaurante. Ele se decepciona ao sentar-se na mesa, abocanhar o sanduíche e notar que continua sem apetite algum. "Meu corpo está desistindo", ele teme. Mas ele não desiste, não assim fácil: devora, mesmo sem fome, metade do sanduíche. E retorna para casa pelo mesmo caminho, exercendo a cada passada o mesmo esforço, carregando a outra metade do lanche -- que, ele espera, será bem vinda mais tarde. A bituca de mais um cigarro atinge a calçada irregular que ele deixa para trás quando entra finalmente no apartamento, sentindo uma desconfortável sensação de segurança por estar novamente em casa. Ao fechar a porta, ele se depara com sua carrasca irrepudiável: A cama.

As batalhas insignificantes, as lembranças torturantes, as empreitadas corriqueiras -- que para ele se faziam conquistas épicas -- são suficientes para exaurir o resquício de energia que ele precisaria para resistir ao olhar convidativo daquela cama. E ela chama, se insinua, o convida. E ele cede, enfim -- mas não sem antes, em um derradeiro ato de bravura, apertar o play do aparelho de som. A música ecoa através do imóvel e entra por seus ouvidos, reproduzindo um efeito semelhante ao do cigarro de cravo encaixado entre seus dedos. Enquanto Johnny Van Zant canta no rádio, ele se esparrama no colchão -- sentindo como se seu corpo tivesse finalmente encontrado seu lugar no mundo, após tanta procura. A noite cai, e ele rompe a inércia -- somente para esticar o braço e apanhar o comprimido que, ele sabe, não fará a menor diferença para seu estado de espírito. O comprimido desce pelo esôfago, seguido por outra rajada de fumaça doce. Com seu cinzeiro, seu calendário e seu relógio ao lado, ele nota a lua cheia através das barras da janela. E quando finalmente a clomipramina começa a relaxar seus músculos, os sonhos -- ou seriam alucinações? -- começam a se misturar com as palavras que dançam pelo quarto antes de encontrarem seus tímpanos:

"But I'm not home, I'm not lost
Still holdin' on to what I got
Ain't much left
No there's so much that's been stolen
I guess I've lost everything I've had
But I'm not dead, at least not yet
Still alone, still alive, still unbroken"

E ele fecha os olhos.

Autor: G.O. 


sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O pequeno equilibrista

Em uma dessas noites, estava eu sentado na porta do hall do meu prédio a observar a chuva. E foi quando notei algo insólito: Um gato Um rato gigante O E.T. Bilu Um quadrúpede não-identificado, que passeava serelepe por cima dos cabos telefônicos/fios elétricos que conectavam os postes alinhados na rua.

Passei os próximos minutos daquela madrugada ali, tentando entender como diabos aquele ser peludo e gorducho conseguia percorrer tão habilmente sua corda bamba. Era como se ele não se importasse de estar há cerca de vinte metros do chão, altura que certamente o mataria caso ele despencasse dali. E seja lá qual fosse o motivo das idas e vindas kamikazes daquele bichinho, ele parecia bastante concentrado em seus afazeres: Saía da árvore que possivelmente continha sua toca, atravessava para um poste, seguia para o poste seguinte, pegava algo com a boca e retornava – sem se deixar distrair ou interromper pelo que quer que fosse. Aliás, minto – vez ou outra ele diminuia o ritmo das passadas estreitas para corrigir a posição do rabo, que parecia ser seu instrumento responsável por contrabalancear o peso do seu corpo para mantê-lo equilibrado sob aquelas perigosas condições. 


E foi então que eu me dei conta de algo bastante interessante. Eu, um representante da espécie humana – que se auto-intitula a mais evoluída/inteligente/racional/etc do planeta – estava ali, maravilhado com uma criaturinha que, embora aparentemente “inferior”, se mostrava capaz de realizar algo de que muitos dos meus semelhantes – eu mesmo incluso – não seriam capazes. E após muito refletir sobre os super-poderes do pequeno equilibrista, só pude chegar à seguinte conclusão: Nossa brilhante capacidade intelectual nos faz também profundos apreciadores de problemas – tanto que muitos de nós acabamos por nos apropriar dos problemas alheios, ao invés de cuidarmos de nossas próprias vidas. E assim, não nos sobra muito tempo ou poder de concentração para conseguirmos nos especializar em habilidades maravilhosas, como aquela de percorrer longas distâncias sobre cordas estreitas. 


Mas aquele pequeno animal não era um ser humano. Ele era um pequeno equilibrista, e não tinha nenhum problema – muito menos problemas alheios – ocupando-lhe a mente naquela noite chuvosa. Suas preocupações se resumiam em manter seu equilíbrio e prestar atenção no próprio rabo, e nada mais. E talvez por isso, ele fosse capaz de feitos que nem o mais preparado dos seres humanos seria capaz de realizar com tanta desenvoltura. 


Eu aprendi muito com aquele pequeno equilibrista naquela noite. Ele não confiava nos postes, que não tendo sido erguidos por ele próprio, não poderiam ser confiados. Ele parecia alheio aos carros que, embora transitassem na rua logo abaixo, também não lhe diziam respeito. Ele atentava apenas ao próprio rabo – este sim estava sob seu controle e influenciava na sua vida. E ainda que não tenhamos rabos, acredito que os geniais membros da nossa espécie deveria tomar aquela criaturazinha como exemplo. Talvez – só talvez – se passássemos mais tempo concentrados em nossas próprias vidas, e nos fatores que de fato nos dizem respeito – ao invés de nos distrairmos com o que acontece no mundo à nossa volta – conseguíssemos nos tornar seres mais equilibrados. 


Enfim – o que aquele bicho estranho me ensinou o seguinte: Problemas todos nós temos. O segredo para a convivência tranquila com nossos semelhantes é nos preocuparmos com os nossos – ao invés de perdermos tempo avaliando as atitudes alheias, que sequer nos dizem respeito, ou mesmo formulando julgamentos precipitados sobre o que acontece à nossa volta. Preocupe-se com a sua corda bamba, e deixe que eu me preocupo com a minha – atentemos, todos nós, para nossos próprios rabos. Afinal, se até aquele pequeno ser intelectualmente menos desenvolvido do que nós tem consciência de que sua existência depende somente disso, não deve ser sem razão.



sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Dicas de conquista para o nerd moderno

Ah – as dificuldades presentes nos rituais de conquista. Chamar a atenção do sexo oposto nunca foi conhecimento empírico para a maioria dos exemplares do sexo masculino da nossa espécie – ainda mais em tempos tão desleais como estes em que vivemos. Mas você faz o tipo intelectual, usa aquele par de óculos charmoso e confia na sua erudição para se fazer interessante. Você tem graduação/mestrado/doutorado em filosofia/engenharia/algo-que-o-valha, fala de ciência sem parecer pedante, se veste de forma elegante-mas-não-fresca, deixa a barba por fazer para dar um toque misterioso-bad-boy ao seu estilo bonitão-com-conteúdo. Certo? Errado. Tudo errado, tudo. É com muito pesar, caro leitor, que eu lhe informo que mulher não gosta de nada disso. Mulher que é mulher gosta de MACHO ALFA. Nerd não é macho alfa. Mas não tema – este breve tutorial lhe servirá bem para iniciá-lo no tortuoso caminho para tornar-se um Uber-XY, uma máquina de produzir testosterona: Ao final deste minicurso, você terá aprendido os conceitos básicos para se tornar um autêntico ás da pegação de nível mundial. 

CALMA – não importa se você é virgem. Siga estas dicas e deixará de sê-lo em breve. Agora deslogue do World of Warcraft e me dê alguns minutos de sua atenção. Estou prestes a salvar a sua vida, pequeno gafanhoto. Comecemos:

CURSO BÁSICO DE CONQUISTA – AULA UM

1)     Então você se vale do seu intelecto como arma de sedução – seu pobre diabo. Em primeiro lugar, esqueça qualquer vislumbre que você possa ter do tipo “intelectualmente erótico” que elas dizem por aí que cultuam –  isso aí é coisa inventada pela Globo para que você não pegue ninguém. Mulher gosta daquilo mesmo que você passou a adolescência toda achando que elas gostavam, e que nada tem a ver com a sua genética meia-boca: Fortões descerebrados cheirando a CC, que não entendem nada de ciência, filosofia, política e outros assuntos completamente irrelevantes para a procriação humana. Assim, se você tem uma bagagem intelectual invejável até aos grandes cérebros da história da humanidade, GUARDE-A PARA VOCÊ. Nunca, em hipótese alguma, tente conquistar uma mulher no papo. Você vai falhar. Elas não dão a mínima para o seu cérebro. Elas só querem seu corpinho malhado, seu queixo quadrado e seus genes de provedor.

2)     Tipo físico. Eu sei, você sempre ouviu dos seus familiares/ex-namoradas/amigas que você gostaria de pegar que o que realmente importa é “o conteúdo”, e não o exterior. RÁ! Balela. Tudo intriga da oposição, teoria de conspiração criada para desviar você do caminho do sucesso, meu querido. Seu tipo físico importa PACAS – e você sabe muito bem qual elas preferem: Fortão, abdomem tanquinho, coxas capazes de estrangular um leão com um mata-leão. Se você está ainda se perguntando “mas e meus diplomas?”, pare a leitura e retorne para o item 1). Caso contrário, você já sabe o que fazer: Tranque sua faculdade/pós-graduação e entre em uma academia. NÃO! NADA DE AERÓBICA! Musculação, pombas. Pelo menos dezesseis horas por dia de pura musculação, a atividade predileta de todo macho que se preze. Yeah.

Corolário de 1 e 2: “Seu trapézio deve ser sempre maior que seu cérebro.”

3)     Está acompanhando, caro leitor? Então vamos falar do seu guarda-roupas. Primeiro, desfaça-se de todas as camisetas xadrez “estilo-PC-Siqueira” que você tem lá. Elas não querem isso aí. Dirija-se a uma loja DE MACHO e adquira uma porção de camisetas específicas para malhação, todas um número menor do que você usaria normalmente. Se você está de fato levando esse curso a sério, já estará matriculado em alguma academia – e não tarda a se tornar um brucutu truculento. Se este for o caso, parabéns: Você já pode – e DEVE – comprar regatas. Use-as com orgulho, o mais coladas possível em seu corpo inchado por exercícios intensos e substâncias químicas ilegais.  

4)     Vocabulário. Como já foi dito aqui, elas não querem conversar com você – para isso, elas têm as amigas e os cabeleireiros. Esqueça palavras com mais de três sílabas e que não são ditas no Big Brother; dessa forma, você pode utilizar seu cérebro para armazenar um número maior de gírias – que você aprenderá na academia com seus colegas de pegação – e onomatopéias vidaloukísticas. Exemplos: “Uhuuu”, “waaaaaah”, “ieeeeeééééaaaaaaa”, são completamente afrodisíacas.

5)     Cheiro. Calvin Klein? Ralph Lauren? SEU BICHA. Jogue fora todos esses perfumes de boiola que você tem aí na sua prateleira. Aliás, jogue fora seu desodorante também – “desodorante” é outro nome para “desmasculizante”. Elas gostam de cheiro de testosterona, meu! Sim, você entendeu bem – suor, transpiração, CC. O raio de influência da sua sensualidade é diretamente proporcional ao alcance do seu cheiro de homem. Você quer uma FÊMEA para arrastar para sua caverna pelos cabelos, não quer? Então EXALTE SUA ANIMALIDADE. Graur.

6)     Programas. Então você acha que já está encaminhado no mundo da pegação e quer testar seus conhecimentos, certo? Ótimo. Você arrumou um encontro com uma “cocota”. Onde levá-la? Inicialmente, deixemos claro onde NÃO levá-la: Cinemas (coisa de cinéfilo bicha), museus (coisa de nerd que não fez este curso), teatros (coisa de viado-gay-viado), cafés (coisa de quem não trepa). Motel direto, pode – ela vai curtir, mesmo porque é isso que ela espera de você. Mas se você preferir pegar leve, tudo bem: Antes do motel, leve sua cocota para a “night”. Certifique-se de escolher uma boite bem badalada, que toque muito “puts-puts” (a sinfonia dos Deuses da Testosterona) e informe-a da sua escolha: “Meu bem, vamos pra night. Waaaah!”. Score: Ela já estará a seus pés antes mesmo que o DJ coloque “I’ve Got A Feeling” para tocar. Congrats.

7)     Locomoção: COMPRE UM CARRO! Esqueça o transporte público, e esqueça mais ainda aquela bicicleta que você usava para ir até a faculdade. Aiás, esqueça QUALQUER COISA QUE REMETA À FACULDADE – com exceção das festas em repúblicas. Estas você continuará/passará a frequentar constantemente – serão seu matadouro por opção.

Bem, você já tem com o que começar, caro gafanhoto. Espero que estas dicas façam por você o mesmo que fizeram pelos antigos alunos deste curso – e que hoje, são exímios ídolos mundiais do mulherio sexualmente ativo. Não, não precisa me agradecer – apenas propague este texto em seu círculo social de amigos que envergonham a nata masculina. Salve outras almas. Abaixo, deixo um pequeno incentivo: O trabalho de conclusão de curso de um dos nossos mais bem-sucedidos ex-alunos, o formando Rodrigo Ferraz. Orgulho desse menino!



sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Amizades for dummies


SIM – eu sou anti-social. Até demais, diga-se de passagem. Mas sendo anti-social, prezo demais as minhas pouquíssimas amizades. E por essa razão (e por tantas outras que não convém relatar aqui), me considero em posição favorável para palpitar a respeito de uma das mais pseudo-valorizadas dádivas da sociedade: A amizade. E a amizade, diga-se de passagem, é algo valioso – mas quando mal aplicada, pode ser facilmente confundida com pentelhice. E você não quer ser um pentelho de carteirinha, quer, caro leitor? Imaginei.

Sim, eu disse que a amizade é pseudo-valorizada. Porque todo mundo prega por aí que amigo é coisa pra se guardar, mas a verdade é que ninguém guarda direito – e os poucos que tentam, guardam tão bem que não se lembram depois onde foi que colocaram. Sim, amigo é mesmo coisa para se guardar. Mas debaixo de sete chaves, só o que você não usa frequentemente – porque ninguém quer ficar destrancando uma porção de fechaduras para ter acesso a alguma coisa que faz falta no dia a dia. Assim, melhor mesmo é guardar na estante ou numa gaveta que não pegue muita poeira – algum local protegido, mas que facilite o acesso nos momentos mais importantes, bons ou ruins. Pelo menos é isso que eu procuro fazer com os meus.

Então vamos lá: Desbanquemos algumas falácias bradadas pelos quatro cantos do mundo sobre as amizades. Talvez você já saiba de tudo que eu estou prestes a expor aqui, ou talvez não. De qualquer forma, espero ser capaz de lançar luz sobre alguns pontos que considero fundamentais nestas estranhas relações sociais que se estabelecem entre duas ou mais pessoas, que se juntam para compartilhar tudo o que a vida traz de melhor e pior. Bem, prossigamos.

Em primeiro lugar, amigo não é aquele cara que está sempre lá para você. Ahn? O que? É isso mesmo. Seu amigo querido é, antes de qualquer coisa, uma pessoa – a menos que seja um bicho de pelúcia ou boneca e pano, mas isso foge da normalidade do escopo deste texto. E sendo uma pessoa, seu amigo tem – sim, você advinhou! – uma vida própria. E essa vida é também repleta de problemas, assim como a sua. Portanto, seu amigo pode não estar sempre disponível para te escutar choramingar ou trazer soluções para as situações bizarras nas quais você mesmo se meteu sozinho. E isso não faz dele um mau amigo, não senhor. Só faz dele um ser humano complexo como você mesmo. E se ele for um bom amigo, estará disponível sempre que possível – mas cabe a você compreender que isso não acontecerá sempre que você estalar os dedos. Sim, caro leitor – você também precisa ser um bom amigo para o seu bom amigo, e compreensão e respeito são fundamentais nesta empreitada. Nunca se esqueça disso. Tá anotando? Próxima lição.

Segundo, e não menos importante: Espaço. Gente precisa de espaço; amigo é gente; logo, por transitividade matemática, amigo precisa de espaço. CALMA – eu não vou começar a falar de matemática aqui: Só estou utilizando o vocabulário formal da disciplina-master para expor uma idéia que deveria ser óbvia. Às vezes, e tantas vezes, as pessoas – sejam elas suas amigas ou não – precisam passar um tempo acompanhadas exclusivamente por elas mesmas. Às vezes, a vida nos impõe momentos que só são plenamente aproveitados após uma reflexão auto-ostracista. E isso não significa que, se aquele seu amigo tão eloquente está passando um tempo longe das ferramentas de comunicação tradicionais, ele está te evitando – de maneira nenhuma. Talvez ele só esteja pensando na vida, revendo conceitos. E talvez ele precise fazer isso sozinho, antes de pedir seu auxílio para debater sobre as conclusões a que chegou consigo mesmo. Afastamento egoísta? Talvez. Mas o ser humano precisa ser egoísta, vez ou outra. Você também precisa ser – e é – egoísta vez ou outra. Respeite esta realidade imutável sobre a espécie e você viverá mais feliz e menos solitário – por mais contraditório que isso possa parecer.

Está acompanhando, querido leitor? Ah, que ótimo. Então, passemos à lição número três – que é apenas uma conjunção das anteriores: Amigos vivem. E viver, como você bem sabe, implica em cometer erros. E errar, como você aprendeu na escolinha, implica muitas vezes em mudar e machucar os outros. Mudar para pior? Nem sempre. Machucar os outros de propósito? Tampouco. O ponto é que viver é isso aí – pisar no calo de alguns enquanto tentamos evoluir e aprender. Esperar que seu amigo seja hoje a mesma pessoa que ele era há dez anos, quando você o conheceu, é surreal, frustrante e... bem, idiota. As pessoas mudam todos os dias, como consequência das experiências que elas vivem ao frequentarem esse mundão de meu Deus. E lembra? Seus amigos são pessoas.

Mas tudo bem, não se aflija – muitos de nós são providos de uma necessidade incontrolável de questionar, e compreender as razões por trás de cada passinho/mudança que seus amigos protagonizam na vida. Particularmente, não vejo nisso nenhum problema – basta que você procure conhecer a situação como um todo antes de formar opinião a respeito das atitudes dos seus fiéis escudeiros. Muitas vezes, você pode presenciar uma situação que envolve dois ou mais dos seus super-master-blaster-melhores amigos. E em geral, tal situação não lhe dirá respeito algum – mas tavez você seja um amigo tão bom, mas tão bom, que PRECISARÁ compreender o evento da melhor forma possível para auxiliar seus pares. Se você se enquadra neste perfil, seja sensato: Procure ser imparcial. Palpite, mas só quando lhe for solicitado. Forme opinião, mas apenas quando conhecer todos os fatos relevantes e versões sobre o ocorrido que for capaz de assimilar. Caso contrário, você não estará sendo um bom amigo – só um palpiteiro irritante que gosta de ver o circo pegar fogo. E esses, meu caro, ninguém gosta de ter por perto.

Por fim, mas não menos importante: Amigos de verdade não se afastam indefinidamente. Se você perdeu contato há tempos com alguém que lhe faz falta, procure-o. Talvez ele também sinta saudades de você. Talvez ele não tenha te esquecido, nem tenha deixado de apreciar sua companhia. Talvez ele esteja passando por um daqueles momentos auto-ostracistas explanados acima, ou talvez ele esteja precisando de um ombro amigo mas não saiba onde procurar. E é aí que você tem, caro leitor, a chance de mostrar como você pode ser um bom amigo para o seu bom amigo: Mostre-se disponível, mas sem invadir o espaço/privacidade do seu camarada. Se ele estiver precisando de você, estenda a mão. Se ele preferir ficar quietinho por mais algum tempo, respeite – ao invés de sair por aí bradando para todo mundo que fulano mudou e não se lembra mais dos amigos. Isso seria no mínimo uma atitude babaca desleal. E procure se lembrar de que você também já teve momentos em que precisou se afastar do mundo para resolver algum problema.

Guardem seus cadernos, larguem suas lapiseiras – por hoje é só. Espero ter sido capaz de esclarecer alguns pontos fundamentais para quem gosta de ser especial para alguém – seja esse alguém um bicho anti-social como eu, seja um alguém mais carismático. Tenho procurado aplicar estes conceitos no meu dia a dia, e não posso reclamar dos resultados. Não, eu não tenho tantos amigos assim. Mas dos que tenho não posso reclamar – e isso tem me sido mais que o suficiente.