sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Virtualices

Você abre a geladeira e procura uma latinha de cerveja. Como na maioria das vezes, você não encontra [as cervejas têm o estranho hábito de se ausentarem quando se fazem mais necessárias], mas isso não é problema: Basta fechar a porta, digitar “cerveja” no painelzinho futurista que se apresenta na sua frente e aguardar o moço da entrega lhe trazer um engradado do néctar dos deuses. Legal? Certamente. Ficção científica? Já foi – os primeiros protótipos de geladeiras interativas já estão dando as caras por aí. Bizarro? Sem sombra de dúvidas. Mas bizarro ou não, a cerveja chega rápido e meu fígado impaciente agradece.

Há cerca de quinze anos, bizarros eram os poucos computadores pessoais que traziam a estranha habilidade de se conectar ao mundo através dessa tal de Internet. Ainda me lembro nitidamente daquele som característico, que lembrava o desespero de um gato enclausurado em uma panela de pressão, que o modem fazia ao TENTAR me ligar ao mundo – tentava, tentava e muitas vezes desistia. Mas quando conseguia, me permitia passar noites em claro conversando com meus outros dois ou três amiguinhos que também tinham Internet – tudo pelo ICQ, mIRC ou chat da UOL. Não existiam Orkut, Twitter, MSN, Webcam, Facebook, FarmVille, blogs ou sei-lá-o-que-mais. Eram, portanto, tempos menos modernos e mais simples.

Hoje, as comunidades virtuais dominam o mundo. E mesmo que você vista uma boina, deixe a barba por fazer e assuma uma postura de “Che Guevara de boutique” – e se recuse a ter Orkut ou algo que o valha – sinto informar: Você está aqui agora, lendo este texto que foi escrito por alguém que nunca viu e provavelmente mora em outra parte do planeta. E assim, você não se encontra em uma situação assim tão distinta daqueles que passam os dias cultivando alfaces em suas fazendinhas virtuais, nem daqueles que bebem com os amigos avatares no Twitter às sextas à noite – quando poderiam estar em bares reais, acompanhados por pessoas reais. Você também poderia estar lendo um livro real – mas está aqui comigo, não está? Pois então – somos escravos do mesmo Deus de mentirinha, criado por bits e bytes e adorado por seguidores que se disfarçam de JPEGs. Resistir é inútil – mas se você ainda quiser tentar, acesse o ReclameAqui.com e acrescente seus pensamentos ao banco de dados.

É interessante pensar que muita gente substitui uma parcela considerável da vida real por essa tal de virtualidade. Há inclusive aqueles que preferem sua vida social virtual à real, e trocam noitadas tradicionais por algumas horas a mais na frente do computador. Confesso que não posso culpá-los: Me parece muito mais confortável passar a noite cercado por janelinhas e letrinhas, ao som dos meus MP3s prediletos, do que passar a mesma noite cercado por gente de carne e osso desinteressante e conversas insípidas, ouvindo algum batuque moderno desses que não me agradam nada. O mundo virtual também me permite encher a cara sem medo das batidas policias na volta para casa, fumar em local fechado – minha sala de estar – e encerrar conversas desagradáveis com um leve movimento de dedos. O mundo real, por outro lado, me garante uma ou outra experiência física válida [dentre tantas outras frustrantes], me obriga a vestir camisa e a trajar algo menos confortável que meu short azul-marinho de algodão. A concorrência é desleal.

E aí vem aqueles japoneses malucos sujeitos extremistas dizendo que é possível se apaixonar online. Hoje, é cada vez mais comum gente que se casa sem ter nunca sequer encontrado o(a) noivo(a). Acho lindo – longe de mim condenar qualquer forma de amor, ainda mais uma assim tão moderna e tecnológica. Mas vem cá, convenhamos... como DIABOS alguém se apaixona por um bando de letrinhas e imagens de vídeo, um personagem criado por outro alguém sentado do outro lado da tela? Como é que alguém tira o retrato do ser amado de cima do criado mudo, e coloca um bitmap no lugar? Cheiro, gosto, presença – sempre acreditei serem componentes cruciais para o envolvimento emocional, mas talvez sejam apenas meros detalhes. E o Admirável Mundo Novo não se atém a detalhes – prefere se ater a ideais. Relacionamentos criados a partir de ideais: Acho esquisito. Há quem diga que é possível, mas até aí tem louco pra tudo nesse mundo.

Vivemos em tempos estranhos, não há dúvidas disso. O mundo lá fora continua, talvez, tão convidativo quanto antes – mas nunca tinha encontrado competição à altura até agora. “A realidade é melhor que qualquer ilusão” – poucos contestariam. Mas mesmo a realidade sempre exigiu um certo faz-de-conta, um fingimentozinho básico de quem a idolatra: Trabalhar cedo fingindo bom humor matinal, esconder aquela espinha teimosa com maquiagem, evitar de mandar o chefe à merda quando é só o que nos passa pela cabeça, balançar assertivamente a cabeça enquanto se ouve uma história maçante proferida por algum amigo... Avatares que só podem ser desconectados fora do horário comercial, quando chegamos em casa e nos encontramos entre quatro paredes. E é precisamente neste momento que nos sentamos confortavelmente à frente do PC e buscamos nas janelinhas digitais o alívio para essa virtualidade analógica que fica retida do lado de lá da porta. Confuso? Talvez. Mas não é minha culpa se ninguém escreveu ainda um software para simplificar o mundo.

9 comentários:

  1. É bem verdade... Nada melhor que chegar em casa, abrir uma cerveja e ouvir o que quiser, ver o que quiser, falar com quem quiser...e ter a sensação do controle, o mais perto que chegamos de dominar a nossa vida. É uma competição acirradíssima com o mundo lá fora onde, na maioria das vezes, não é possível escolher a trilha sonora, nem os contatos, nem cultivar jabuticaba.

    Porém o incontrolável, o stress, o descontentamento, a frustração, são necessários, também nos empurram à evolução, mesmo que de um jeito tortuoso. Embora tudo aqui seja real, as pessoas, o seu texto e o meu comentário; a prioridade é sempre o do mundo lá fora, já que é graças a ele que esse existe.

    Olha, de longe, um dos seus melhores textos. Dórei.

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  2. Ai que falta de paciência hein??
    Minha ausência foi apenas uma represália rsrsrs.
    Ou melhor, estávamos todos ocupados xingando o twitter safado que ontem à noite roubou as mentions e enfiou no c*. E também nos juntamos num movimento forte pra exterminar uma arroba ladra de tweets alheios, vc perdeu meu amigo...
    Bom, pela estória já dá pra perceber que o mundinho virtual de ontem estava bombando!!!
    Tim tim Fabio!!!

    Beijo, Edilene
    http://devaneiopulsante.blogspot.com
    http://papodequinta.com/?p=43

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  3. Há algum tempo achei que falar com as pessoas por um comunicador de pulso era coisa dos Power Rangers Mighty Morphin. Mas hoje a gente já tem coisas mais avançadas. Até onde vamos?

    Parabéns pelo blog! Foi a Edilene que indicou-o!

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  4. Além do conforto, a segurança de ficar em casa torna a vida online algo bem comum e frequente.

    Mas, se dizem que todo mundo na internet é um personagem, na vida real não muda muito. Talvez a aparência seja a nossa mesma (não tenho mta certeza, mta mulher usa as cintas mágicas do Dr Nãoseioquê, wonderbras e calcinhas com enchimento) mas como vc mesmo disse, a falsidade é tanta que mesmo ao vivo convivemos com personagens.

    Agora, se apaixonar envolve contato físico, cheiro, carícia... a paixão online é uma idealização e pode levar a grandes decepções... Pode dar certo sim, se tiver sorte na parte química/física/biológica e muuuita sinceridade.

    See ya my real friend (sim eu conheço o Fabio pessoalmente e há 10 anos!)

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  5. É um bom ponto de vista, mas eu penso diferente:

    Acho um pouco anacrônica a questão de ser possível ou não se apaixonar na internet. Isso já é uma realidade no mundo.

    Tenho uma amiga que morava no Japão, voltou ao Brasil e vive com um rapaz que conheceu no Orkut. Eles vão se casar ano que vem (o twitter dela: @TiekoTanno). Eu mesmo, na época da internet à lenha, namorei uma moça que conheci no IRC.

    Admiro quem é capaz de se apaixonar por palavras. E, da mesma forma que admiro um bom escritor, admiro também quem consegue, através das palavras, despertar paixões.

    Talvez o ser humano seja muito mais do que apenas química, física ou biologia.

    abs.

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  6. Concordo com o fred.

    Hoje não temos mais como diferenciar o virtual do real. Temos pessoas que ficam bravas na internet, se decepcionam na internet, fazem merda na internet, veja só....até fazem sexo pela internet xD

    Acho que a questão é que na internet talvez seja mais facil você ser outra pessoa....ou ser você mesmo até. Porque no mundo real a empresa pede um perfil, o comportamente em publico pede outro perfil...

    E no mundo virtual você pode ser você mesmo...sem medo de represalias e condenações.

    =o

    Comentei xD

    Bjs \o/

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  7. Concordo c Fred tb, embora a precisão do texto nos faça pender para aquele lado.
    Parabéns Fábio.

    hugopt.blogspot.com. Sem Anestesia.

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  8. Esse texto representa tudo que senti hoje.Sai pra balada,não dava pra fumar,estressei e vim acender meu cigarro tomando uma skol, lendo e teclando com uma amiga no msn.A coisa está toda no equilíbrio não é mesmo, mas quem é equilibrado?Eu também não tenho paciência pra descobrir.rsrs.
    Parabéns!!

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