sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Mudança

Encaixota. Joga fora. Sobe escada. Desce escada. Prédio sem elevador – cinqüenta e quatro degraus me separam do térreo. Caixas pesadas – mas vou levar duas para economizar uma viagem. Suspensão do carro agüenta? A minha suspensão agüenta, o carro que se vire para agüentar também. Suor, sangue e lágrimas: Só mais um dia de mudança. Cansaço – mereço um banho: Droga, o sabonete já foi. Paciência, detergente taí pra isso.

Caos. Caixas. Desgaste. Caixas. Eco em um quarto vazio. Caixas. Droga, tenho um blog pra atualizar... e não sei fazer upload de caixas.

Ok, ok – eu escrevo um texto, mesmo não tendo a menor condição para isso. Mas a verdade é que, de todas as partes do meu corpo, os dedos são as únicas que não estão doendo agora. E além disso, apenas meu PC se encontra acessível nesse domingão ensolarado – eu poderia ler um livro, assistir um filme, jogar videogame, etc, etc, mas todas as minhas tralhas (à exceção do PC) encontram-se encaixotadas. Não há para onde fugir, não há para onde correr – todos os objetos de procrastinação a que eu poderia me apegar estão inacessíveis.

Eu. Odeio. Mudança. Com. Todas. As. Minhas. FORÇAS.

Os beduínos e afins que me perdoem, mas acredito piamente que a raça humana não foi projetada para o nomadismo. Temos uma tendência natural de nos enraizarmos em algum canto, sempre – canto este a que, independentemente de tamanho/localização/estado, carinhosamente aprendemos a chamar de “lar”. E que acaba se tornando o cenário de incontáveis sonhos, inúmeras memórias; acaba se tornando nosso porto seguro, nossa pequena caverninha particular onde nos sentimos protegidos. Por um tempo finito, é verdade – porque em nossa eterna insatisfação tipicamente humana, estamos sempre buscando uma nova casa desde o primeiro minuto em que nos instalamos na atual. Trágico.

Sim, não fomos projetados para o nomadismo – e a maior prova disso é a incrível tendência que temos de juntar coisas sem sequer notarmos. Quem  nunca segurou algo completamente inútil nas mãos, enquanto refletia se deveria ou não jogar fora, que atire a primeira pedra. Você pára em frente ao cesto de lixo, olha para aquilo e pensa se não vai se arrepender depois. Pensa se, minutos após o caminhão de lixo passar, você não vai precisar daquilo mais do que tudo – o que quer que “aquilo” seja. E então você se lembra daquele armário/maleiro/espaço vazio no porão e conclui: “Por via das dúvidas, é melhor guardar...”. Grave erro – você apenas acaba de prorrogar aquela difícil decisão para uma época muito mais caótica da sua vida: Uma época em que sua mente estará ocupada com transferências de endereço, atualizações cadastrais, reformas em uma caverninha-bebê que estará prestes a se tornar seu novo lar. Uma época governada por caixas – que de repente, terão se tornado o bem mais valioso do mundo. E em tempos assim, você só consegue sentir um desejo incontrolável de trocar “aquilo” – bem como quase tudo o que você tem – por duas ou três caixas a mais. É, você deveria ter jogado aquilo fora quando estava em plenas faculdades mentais.

Mas existem empresas especializadas em mudanças, caro autor” – você me diz, complacentemente. Sim, existem – e elas cobram caro, perdem caixas com os seus bens e quebram itens valiosos. A verdade é que eu não consigo deixar de pensar que o motorista do caminhão que leva todas as minhas tralhinhas tão amadas vai, invariavelmente, passar por alguma lombada engatado em terceira, quarta ou até quinta marcha. E fico pensando nos meus eletrônicos, pratos, canecas e afins colocando os bracinhos para o alto e gritando, como se estivessem em uma montanha russa. E esta visão hedionda SEMPRE me motiva a ceder ao desgaste emocional/físico/psicológico de encaixotar e transportar tudo eu mesmo. Paranóia? Talvez. Mas os teimosos beduínos não têm eletrônicos, pratos ou canecas – e acredito que deva existir algum motivo para isso.

Assim, como em tantas outras ocasiões, não consigo deixar de pensar que o ser humano não se encontra no topo da escala evolutiva. Alguns diriam que os golfinhos são mais inteligentes. Outros, que os cães são muito mais leais e verdadeiros – e portanto, mais evoluídos que nós. Gostaria de concluir este texto com minha humilde contribuição para essa discussão: Caracóis. Na próxima vida, gostaria de vir ao mundo imutavelmente anexado à minha casa, e incapaz de encaixotar qualquer coisa. Também aceito nascer como tartaruga, jabuti, cágado – tanto faz. Qualquer espécie auto-habitável me parece, no presente momento, muito mais digna de admiração do que nós, esses estranhos bichos que passam a vida a juntar coisas e a movê-las de uma toca a outra, somente para eventualmente repetir o processo. Hábito este que, pensando bem, nos torna muito mais próximos a um outro bichinho da natureza, do qual ninguém nunca se lembra: O besouro rola-bosta.


10 comentários:

  1. Cara adorei o texto, compartilho da sua opinião; uma das coisas que mais me agradam é a preguiça, isso resulta em a preguiça ser meu pecado predileto.
    E é sempre bom criar raízes em meio a algo, apredemos muita coisa.

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  2. posso assinar embaixo do teu texto, mas te conto um segredo : em 5 anos, eu mudei 6 vezes. Conheço essa via sacra. Voce deveria ter escrito este texto antes de 1997. Acho que não te perdoo por isso, não mesmo! Amei

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  3. Querido Fabio !!!!
    Já li quase todos,mas, este é o primeiro texto seu em que comento, pois não tive tempo pros outros! Porque?
    Por conta de uma... MUDANÇA !!!!!
    Mudei ontem para outra cidade, com "N" coisas a resolver, é fato.Cabeça a mil para dar tudo certo !Mas sempre aparecem algumas pedras no caminho, que você não está esperando.
    Normal... Normal ? Guardo-as todas !!!
    Prá completar, você tomou banho de detergente... e eu comi macarrão com a mão ! FATO ! rs
    Parabéns pela maneira que você escreve !
    E não páre nunca !
    Em breve pode virar um livro !
    Santa Paciência que nos proteja !
    Bjs querido !
    Bell Rezende

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  4. Fábio, uma vez eu postei algo sobre as origens da cerveja, e de como ela foi decisiva para a saída do homo sapiens da condição do nomadismo, uma vez que:
    1) Ela permitiu armazenamento de cereais em forma líquida, o "pão líquido"
    2) Era uma opção ótima para locais com fontes de água duvidosas.
    Por que eu disse isso? Pq eu acho sinceramente q vc está precisando de umas 2 ou 3 brejas no momento.
    Abraço
    Hugo(@hugopt)
    Sem anestesia - hugopt.blogspot.com

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  5. Força, Menino! Daqui a pouco tudo se ajeita!
    Pra variar, muito bom o seu texto.
    Adoro a maneira como você faz com que pensemos muito a respeito.
    Mudança, tralha, organização, bagunça, mudança...
    Odeio tb.
    Eu que já mudei umas 20 vezes (juro!) posso dizer que fico bem feliz por criar raízes hoje.
    As maiores e piores mudanças da minha vida foram na infância. Minha mãe nunca me poupava do trabalho. Lembro de ajudar em praticamente todas. E de cansar muito!
    Agora que parei pra pensar, pude ver como o cansaço me ajudou a superar todos os traumas que uma mudança traz pra vida de uma criança. Não sobrava muito tempo para chorar, reclamar ou sentir saudades do que estava deixando para trás. Quando o cansaço passava, eu já estava bem empolgada em conhecer os vizinhos, fazer novos amigos e aprender brincadeiras novas.
    Talvez as coisas sejam mais fáceis quando somos crianças. Ou talvez nós tornamos tudo complicado demais depois de adultos.

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  6. Vc já pensou em morar em um trailer ? hehehe ótimo texto Fabio!! Confesso que imaginei suas canecas colocando as mãos para cima e gritando enquanto o caminhão desce uma enorme ladeira...rs... Um abraço e parabéns !!!

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  7. Nunca mudei (só aos 2 anos, mas isso não conta) no máximo tive minha casa dentro da mala da Gol por um tempo.

    Mas imagino o trabalho q deve dar, tanto braçal quanto burocrático. Mesmo a mais paciente das criaturas se estressa.

    E essa mania de guardar coisas é uma que preciso perder... após ler seu texto, antes de vir aqui comentar, fui dar uma limpada no armário, achei um monte de papelada inútil mas que tinha guardado como lembrança ou como prova de alguns acontecimentos.
    Desliguei a dó e joguei tudo fora, exceto os que tinham maior valor sentimental.

    Mas ainda falta muito pra eu me livrar da bagunça...

    e vc tem razão, não jogar fora agora é adiar a decisão pra um momento mais atribulado.

    Força ae no seu novo lar!

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  8. Mudar é um saco e falo com conhecimento de causa, mas qdo criança a pior experiência dessas aí foi ter vindo de férias pra casa do meu avô e nunca ter voltado pra casa, foi qdo nos mudamos pra MS, eu tinha 10 anos e fiz a 4ª série em 3 escolas diferentes... foi punk!!
    Beijos e boa sorte no Kinder!! (quase bunker, rsrs)

    Edilene
    http://devaneiopulsante.blogspot.com
    www.papodequinta.com

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  9. eu tb não acostumo com o pára sem acento

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