sexta-feira, 23 de julho de 2010

Protocolo

Outro dia cometi o grave erro de desejar continuar apto a dirigir: Fui renovar minha Carteira Nacional de Habilitação. Cidadão precavido que sou, entrei na internet, me informei sobre os documentos que precisaria para a empreitada e – de posse de todos eles – me dirigi a um Poupa-Tempo, órgão governamental batizado segundo sua função prioritária: Poupar o tempo de vida de seus funcionários, que passam em média três quartos de sua carga horária diária fazendo absolutamente nada de útil – com o objetivo óbvio de evitar a morte prematura por estresse. O que, você achava que a idéia era poupar o seu tempo? Então continue lendo.

Burocrata seria um bicho engraçado, se não fosse trágico ou, mesmo sendo trágico, se não fosse responsável pela nossa tragédia. Um sujeito que passa a vida se especializando em complicar o incomplicável, em fazer-nos sentir pena de nós mesmos, só pode resultar de algum tipo de sarcasmo divino – não consigo pensar em outra razão para a existência desses tipinhos detestáveis. E descobri, naquela fatídica terça-feira, que um bom burocrata nada mais é do que um sádico de boutique, um inquisitor da idade média repaginado. E como tal, conhece as mais avançadas técnicas de tortura psicológica e se mostra capaz de nos fazer experimentar como ninguém todas as cinco fases do sofrimento, com uma eficiência sem igual – eficiência essa que termina aí, nesta classe profissional. E digo isso com conhecimento de causa: O diálogo reproduzido livremente abaixo foi protagonizado por este “paciente” autor e por um “competente” funcionário do Detran, responsável pelo guichê catorze do Poupa-Tempo aqui da cidade.

Burocrata 1: – Senhor Fabio, está faltando o comprovante de residência na cidade em que a CNH original foi emitida.

Eu: – Mas eu não moro mais lá há oito anos...

Burocrata 1: – Não importa. O senhor tem algum amigo/parente/vizinho/inimigo/conhecido/traficante de confiança que ainda reside na cidade?

Eu: – Tenho, mas...

Burocrata 1: – Serve.

1ª Fase: Negação

Eu: – Não é possível, você só pode estar brincando. Você quer que eu comprove residência em uma cidade na qual eu não moro, com um documento que não é meu, de um imóvel que eu nem sei onde fica?

Burocrata 1: – Isso mesmo, senhor. É protocolo.

Eu: – Mas isso não faz o menor sentido!

Burocrata 1: – Sinto muito, senhor. É protocolo.

2ª Fase: Raiva

Eu: – Olha, você está de sacanagem comigo, só pode.

Burocrata 1: – Não senhor. É o protoc...

Eu: – Escuta aqui, você pega o seu protocolo e faça o que bem entender com ele. Não dou a mínima para o protocolo. A MÍNIMA!

Burocrata 1: – Mas senhor, sem o protocolo isso aqui viraria uma bagunça.

Eu: – VIRARIA UMA BAGUNÇA?? VIRARIA??? VOCÊ PAROU PARA PENSAR NO QUE ESTÁ ME PEDINDO??? COMPROVANTE DE RESIDÊNCIA DE OUTRA PESSOA???

Burocrata 1: – Não vamos perder a compostura, senhor. É só o protocolo.

3º Fase: Barganha

Eu: – [Suspiro]. Deve haver uma outra maneira de resolvermos isso. Não posso trazer o documento em outra ocasião?

Burocrata 1: – Não pode, não senhor. O protocolo não permite.

Eu: – Ai, você de novo com essa de protocolo. Sério, você deve conseguir dar um jeitinho aí. Que tal uma cervejinha por minha conta depois do expediente? Pode dizer, quanto vale pra você esse maldito comprovante?

Burocrata 1: – Senhor, eu não bebo.

[Pensamento: Logo vi.]

4º Fase: Depressão

Eu: – Amigo, pelamordedeus, eu deveria estar trabalhando, agora, meu chefe só me deu hoje para resolver isso aqui. Se eu não conseguir renovar a CNH hoje, corro o risco de não dirigir nunca mais. Tenha dó...

Burocrata 1 [Me olhando complacente]: – Desculpe, senhor Fabio, não posso. O que é certo, é certo, né?

[Pensamento: Certo vai ser o cruzado de direita que eu vou dar na sua cara – quero ver você pronunciar “protocolo” sem os dois dentes da frente.]

5º Fase: Aceitação

Eu [Trêmulo de ódio, discando no celular]: – Alô, mãe? Tudo bem, mãe. Não, mãe. Tô, mãe. Mãe... MÃE! Eu preciso que você me passe um fax de um comprovante de residência aí de casa. Tá, mãe, desculpa ter gritado. Não, mãe, eu não estou irritado.


Voltei alguns dias depois, de posse do maldito comprovante de residência-em-que-eu-não-moro. Obviamente, fui atendido por outro funcionário, que apanhou todos os meus documentos, escolheu um aleatoriamente – a cópia do meu CPF – e o conferiu minuciosamente. Nem olhou para os demais.

Eu: – Ei, você não vai verificar o comprovante de residência?

Burocrata 2: – Ah, não precisa – é só protocolo.

Suspirei. E quando finalmente saí dali, só conseguia pensar que, no caso particular dos burocratas, deveríamos considerar um sexto estágio, a fase final, para o sofrimento:

6ª Fase: Homícidio




21 comentários:

  1. Você é dez!!!rsrsrrsrs adoreiii!! Parabéns!!

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  2. Burocracia é foda!!!
    Como assim comprovante de residência dos "outros"???
    Existe isso??? hauahuahauha
    Infelizmente as repartições funcionam desta forma... convivo com isso a 5 anos bem de perto, já pensou se eu resolver criar um protocolo para as crianças na escola?? Cômico!!!
    Mto Bom!!!
    Beijo.

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  3. Tá... escrevi um baita comentário aqui, mas me embananei no protocolo do blogger, pode isso?
    Enfim, ri demais com seu texto, e lembrei de várias situações patéticas que passamos em nossa vida.
    Abraços!

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  4. Credoooo a raiva até me contagiou aqui, aff... tou fabricando uma bomba pra jogar lá! @#$%&!

    kkkkk, Meu Deus q merda é essa de protocolo! Pior que já ouvi mtas histórias semelhantes.
    Gente de mente fechada, q tem medinho de ser repreendido porque saiu do protocolo, sendo que se pensasse um pouquinhozinho no que seria mais adequado, veria logo que teria q agir diferente.
    Desejo a ele que seja impedido de algo importante por causa do maldito protocolo, pra ver se aprende!

    Agora, qto ao não beber isso não tem nada a ver, vai Fabio! Se ele dissesse "não trepo há décadas" aí sim... mas pq ele diria isso, né? haha!

    Sei lá, eu não bebo, mas às vezes acho que sintetizo álcool XD

    See ya!

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  5. Nossa Fábio,muito bom. É incrível como nesse mundinho infernal no qual vivemos tem burocracia pra tudo,nem morrer em paz nós podemos pq até pra isso é um Deus nos acuda. Às vezes até desistimos de fazer certas coisas só de pensar que existe tanto protocolo, que tantas vezes são inúteis e até dispensáveis como nessa stuação aí.E ah...eu tinha sim mostrado o protocolo que é pra essa cidadãzinha entrar no hospital pra consertar o lindo(ou não) narizinho kkkkkk
    Parabéns,o texto foi ótimo,como sempre.

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  6. "[Pensamento: Certo vai ser o cruzado de direita que eu vou dar na sua cara – quero ver você pronunciar “protocolo” sem os dois dentes da frente.]"

    Ri demais... é bem assim mesmo. A gente pega a fila pra fila da fila da senha, tem que entregar milhares de documentos, ahh é de desanimar qualquer um...

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  7. "[Pensamento: Certo vai ser o cruzado de direita que eu vou dar na sua cara – quero ver você pronunciar “protocolo” sem os dois dentes da frente.]"

    Olha, acho que vc se confundiu, porque essa aí era a fase da depressão, vc já deveria ter saído da fase da raiva nesse ponto!

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  8. ó..Parabéns. Me diverti muito lendo voce. Cara..vc é um espetááááááááááculo . E viva o protocolo

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  9. Menino vc é uma pessoa fora do protocolo! rss

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  10. Ah, carteira de motorista... também passei por alguns maus bocados quando tirei a minha, há alguns meses. Serviço público é uma porcaria, tenho vontade de cortar os pulsos quando preciso de algo do tipo.

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  11. HAHAHAHAHAHA! Morri de rir.
    Deve ter um cheat nesse game pra ir direto pra 6a. fase!

    :)

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  12. HAHAHAHAHAHA caralho, é bem assim mesmo.. isso quando eles não ficam te mandando pra outro lugar e etc... muito bom hahaah

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  13. Este comentário foi removido pelo autor.

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  14. Este comentário foi removido pelo autor.

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  15. Meia dúzia d Dicas protocolares rs práticas baseadas em experiência ( q não se encontra nos livros rs ):

    Em todo local d atendimento burocrático q se preze, público ou privado, q disponha d vários atendentes, sempre haverão os sádicos, os bons e os “não tô nem aí”, c/não raro disputa entre esses grupos; assim:

    1)Qdo vc percebe q o caso é o(a) burocrata não ter ido c/a sua cara; depois d ter pedido calmamente q este lhe mostre detalhadamente no papel o ítem, regulamento, norma, portaria etc q torne imprescindível seu retorno; sem olhar nos olhos, se despeça e levante-se imediatamente, Sem falar ( isto é importante ) obrigado mas dando bom dia, boa tarde ao(à) sr. sra em questão, dizendo em bom tom e pausadamente o nome do(a) burocrata...

    2)Vá pro fundão como se fosse sair ficando atento no burocrata anterior e repare se este o observa ou simplesmente voltou a sua rotina, tendo saído da mesa ou se concentrado em outra “vítima”.
    Caso ele(a) estiver lhe observando ( coisa raríssima ), olhe-o(a) rapidamente e em seguida rabisque pausadamente qq coisa num dos papéis q vc terá consigo e não o(a) encare novamente.
    Se muito raramente este o chamar d volta, e não seja p/resolver seu problema mas perguntar-lhe se você não entendeu algo ou se há algum problema, olhe nos olhos e seja firme e lacônico, pergunte se há algo em q ele(a) possa lhe ajudar e qualquer outra resposta ou tentativa d resposta q não seja positiva, aplique-lhe um “então c/licença” e volte p/onde estava repetindo o procedimento da olhadela, anotação e desvio d olhar. Tdo isto qtas vezes for necessário;

    3)Mude d burocrata ( é sempre bom ter pego 2 ou 3 senhas c/ intervalo razoável ).
    Se estiver acompanhado e se, novamente por 1 rara exceção, se perceber observado pelo burocrata anterior, cochiche qualquer merda no ouvido do(a) acompanhante q tb deverá, olhar, rabiscar algo em algum papel e em seguida interpelar ou fingir interpelar na saída qq pessoa q tiver sido atendida pelo burocrata anterior; mas é raro ser preciso chegar a tanto.

    4)Mesmo tendo resolvido seu problema c/ 1 burocrata correto, não deixe d registrar reclamação contra os burocratas-mala ou depto ou empresas q apoiem tal comportamento. Eles contam q a maioria não faça isso...

    5)C/burocracia, Pública ou Privada; Escândalo, bate boca, porrada e se necessário ameaça c/qq tipo d arma só como último recurso em caso d vida ou morte em entraves d atendimento hospitalar-emergencial,
    fora isso é perda d tempo pra vc e prazer remunerado pro sádico do outro lado da mesa ou telefone...

    6)Se for atendimento via fone ( burocracia privada ), novamente Não perca tempo batendo boca, simplesmente disque novamente mudando d atendente

    Dica d leitura:

    Kafka ( afinal ele era 1 burocrata rs ) e o estranho mundo da burocracia; http://migre.me/ZRve - Excelente análise do mundo burocrático, público ou privado, mas pule as propostas d soluções meigas ao final se não quiser se irritar rs

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  16. Veja pelo lado bom: pelo menos não falaram com você no gerúndio.

    abs.

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  17. Eu ri muito com esste texto. Parabéns!
    E ano que vem é minha vez de renovar a CNH. Depois de ler tudo isso, resolvi não renová-la no Poupa tempo. Eu faria totalmente diferente, talvez pior!
    E segue protocolo.
    Beijo

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  18. Pense: se não houvesse dificuldades, protocolos, burocracia ... o que essa gente atrás do guichê faria para viver?

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  19. Veja bem,

    Eu até escreveria um comentário aqui, mas peço que respeite meu prazo de 48 horas úteis pra tecer uma opinião sobre teu post. Anote, por favor, o protocolo desse meu atendimento!

    =o***,

    Kari do Mulherices

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