Quando eu nasci, fui recebido com muita alegria por toda a família -- mamãe, papai, vovôs, titios etc. Vi a luz pela primeira vez em um hospital bem preparado, tocado por médicos capazes e forrado por paredes branquinhas. Tudo muito bem financiado pelo contribuinte -- fosse em forma de impostos, fosse através do plano de saúde privado que papai pagava todo mês
Cresci como cidadão exemplar. Na escolinha, sexta-feira era dia de hastear a bandeira e cantar o hino nacional [motivo pelo qual estou entre a menor parcela da população tupiniquim que conhece todas as partes o hino, de trás para frente, até hoje] e tinha ganas de dedicar minha vida à defesa da pátria. Aliás, cheguei a alcançar o posto de oficial da Marinha brasileira, tornando-me aluno da Escola Naval no Rio de Janeiro. E foi aí que os problemas começaram.
Numa tarde ensolarada, estava eu fardadinho, ao lado de meus colegas aspirantes a tenente da Marinha, bradando o “Virumdum Piranga” a plenos pulmões. Era hábito, fazíamos isso todos os dias ao entardecer, após uma rotina incessante de preparação para a luta em um genuíno esforço patriótico. E foi nesse dia que olhei de rabo de olho para a minha direita, e notei lágrimas de emoção escorrendo pela face do aluno Bravo Catorze.
Lágrimas.
Naquele momento, tive uma epifania: Eu jamais conseguiria encarar a pátria como prioridade máxima, jamais aceitaria abandonar entes queridos para me aventurar em algum território estranho, combatendo inimigos invisíveis que – com ou sem razão – algum político declarou serem ameaçadores demoníacos da soberania nacional. Eu não amava a pátria mais do que a minha família que – essa sim – havia sempre me apoiado independentemente de credo, cor ou situação social. Céus, eu havia sido avaliado em todos os aspectos, e virado no avesso pelos médicos da Marinha Brasileira, só para receber a “honra” de morrer pelo país, caso isso se fizesse necessário. E muitos companheiros haviam sido descartados sem piedade pelas Armas, alguns míopes, outros intelectualmente inaptos, mas todos frustrados de seus sonhos segundo os critério de aço da Pátria Amada. Mas não eu, eu havia sido abençoado pela “perfeição” militar. A não ser pelo triste fato de que encarava tudo aquilo como um trabalho qualquer, regido por obrigações e direitos – diferente de Bravo Catorze e tantos outros colegas, que se derretiam por toda aquela ideologia que não era a minha.
Abandonei a vida militar, mesmo sob protesto de meus superiores. Eu buscava apenas um emprego, e não a absorção como mártir pelo Florão da América. E se por um lado creio que um emprego, uma carreira, deva sim ser motivada por paixão pelo que se faz, acredito também que isso não deva ocorrer sem retorno satisfatório para todos os envolvidos. Explico: Trabalhamos pelo salário no final do mês, pura e simplesmente, ou ainda por amor à atividade exercida. Dizer que trabalhamos feito escravos para melhorar a pátria, sem esperar nada em troca, é a mais pura demagogia – demagogia essa que parece estar na moda. É claro que esperamos retorno. É claro que desejamos receber nosso dinheirinho, necessário para a sobrevivência e para fazer um agrado a nossos entes queridos e a nós mesmos de vez em quando. É claro que pagamos nossos impostos – não para alimentar o crescimento nacional apenas, mas sim esperando que essa contribuição se reflita em saúde, educação e condições adequadas de trabalho para nós mesmos e outros. Ao meu ver, a relação cidadão/Estado é apenas mais uma parceria comercial, dessas tantas: Eu entro com meu dinheiro e minha mão-de-obra, especializada ou não, e os imponentes “donos do país” revertem estes esforços em infra-estrutura para que eu continue produzindo. Todo mundo fica feliz, e a sociedade cresce.
Não compreendo o Patriotismo em nenhuma de suas facetas – seja a emoção de ver a vitória da seleção brasileira na Copa, seja seu primo fanático e quase religioso, o ufanismo. E não limito esta opinião ao contexto tupiniquim: Não compreendo que o amor à pátria justifique richas entre nações, guerras, defesas de fronteiras imaginárias que um dia foram desenhadas em um pedaço de papel por outros patriotas. Considero-me um cidadão do Mundo, e não consigo ter mais consideração por um irmão brasileiro do que por um irmão argentino, somaliano ou japonês. Para mim, o fato de eu não poder viajar até a Eslováquia sem burocracia equivale a eu não poder ir até a pracinha da esquina e sentar sob uma árvore – direito que deveria ser assegurado não só aos brasileiros, como também a todo e qualquer rebento da Natureza. Sei perfeitamente que isso seria impossível por uma série de fatores práticos, mas não consigo deixar de crer que praias, florestas, cidades – tudo deveria ser visto como patrimônio da Humanidade, e como tal, passível de ser desfrutado igualmente por todos os seus integrantes.
Assim, declaro que não amo meu país – pelo menos não mais do que amo qualquer outro país – mesmo que este tenha cumprido até agora, de forma quase medíocre, o nosso acordo de benefício mútuo. Eu também cumpri, e não espero que meu país me ame
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