sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

E aí, Jesus!


E aí, Jesus!” – já me acostumei a olhar para trás com um sorriso amarelo. Aparentemente, os cabelos longos e castanhos, o cavanhaque, a pele branca, os olhos azuis e as feições ligeiramente européias fazem de mim uma espécie de sósia de um sujeito nascido na Judeia – terra que ficava mais ou menos onde se localiza hoje a faixa de Gaza. Mas eu não pretendo gastar linhas e mais linhas discorrendo sobre o quão absurda essa tese é sob o ponto de vista geográfico, genético e/ou antropológico – não. Para isso você pode contar com a programação especial de natal do Discovery/History Channel, ou até algum especial sobre a vida e obra do messias no National Geographic. E convenhamos – que o nosso querido JC não era nenhum branquelo azedo já é algo relativamente bem aceito há cerca de dez anos, e por boa parte da comunidade cristã [por mais incrível que isso possa parecer].

Não, pouco me interessa se o Filho do Homem tinha cabelo de bombril, nariz de batatinha e beição. E também não me ofendo ou me importo – ainda que já tenha abandonado há tempos minhas raízes católicas – em ser comparado com Sua Divindade; nem me irrito que isso aconteça todo santo ano. O que me incomoda de fato nessa historinha de “olha lá, é o Messias no McDonalds!” é que ela acontece sempre, invariavelmente e sem falha todo ano... exclusivamente em Dezembro.

Pausa para uma observação sobre este autor: Eu uso cavanhaque e cabelos longos há cerca e oito anos. Nesse período, nunca cortei as madeixas – e raramente faço a barba completamente. Os demais atributos físicos que hipoteticamente me fariam lembrar um hipotético filho de um hipotético Deus estão lá há... bem, desde que eu nasci. Logo, só posso concluir que, se eu me pareço de fato com o mártir cabeludo, o faço por nada menos que trezentos e sessenta e cinco dias por ano. Certo? Certo. Mas os fiéis devotos de Nosso Senhor só notam em Dezembro, quando é o hipotético aniversário do hipotético cabeludo.

Mas qual é o meu ponto, meu hipotético Deus do céu? Simples: Amanhã é natal – seja lá o que  isso represente para você. Mas particularmente para uma maioria da população brasileira que se diz cristã, é simplesmente uma das datas comemorativas mais importantes do calendário religioso. É quando se comemora o aniversário daquele que veio à Terra para render os pecados da Humanidade – o que, na minha humilde opinião de hipotético sósia, parece ser algo um bocado trabalhoso e digno de admiração, supondo que tenha de fato acontecido assim. E se para você o natal celebra a memória desse cara que protagonizou tudo isso aí... bem, você deveria se lembrar dele mais vezes por ano. Pelo menos eu acho.

Assim, aproveito esse tempinho de vocês para desejar um feliz natal a todos os fiéis (e infiéis também) leitores do Paciência Negativa. E seja lá o que for que a data significa para você, seja lá qual for o motivo da comemoração, aproveite -- de preferência acompanhado de quem você ama. No entanto, o que quer que você comemore nessa época, não deixe para celebrar apenas em Dezembro -- leve para o ano todo. Solidariedade, benevolência, amor ao próximo, reunir a família, lembrar de “deus” e até uma boa bebedeira com os amigos são hábitos aconselháveis também nos demais dias do calendário. Fica a dica.


domingo, 19 de dezembro de 2010

Amigo secreto

Ah, chegou o final de ano – aquela época mágica, em que os corações são tocados pelo espírito natalino e todo mundo resolve fingir que é bonzinho. Para a surpresa de alguns, eu sou ávido apreciador das festas decembrinas. Mesmo aquela que comemora o nascimento daquele pobre senhor, que foi crucificado para absolver os pecados da Humanidade somente para que esta pudesse fazer o contadorzinho da estupidez girar incessantemente pelos mais de dois mil anos subseqüentes ao seu martírio [eu, no lugar dele, estaria puto da vida conosco]. No entanto, não contentes em transformar o aniversário do moço cabeludo em uma celebração centrada em um gordinho que veste vermelho, nossa sociedade demonstrou mais uma vez uma inigualável capacidade para estabelecer hábitos culturais de caráter duvidoso: Criamos algo tão cruel e injustificável quanto os rituais públicos de crucificação de criminosos, tão selvagem quanto a perseguição romana aos cristãos na aurora da história moderna. Criamos os amigos secretos.

 E você trabalha/estuda/tem amigos/respira, é quase certo que você tenha sido compelido – ao menos em algum momento da sua existência – a participar de um desses alegres eventos em prol da celebração da amizade. Em resumo, a coisa funciona mais ou menos assim: Algum cretino serelepe sugere a realização da festinha, normalmente na frente de algum chefe que apóia a idéia, e aparece com uma sacola de supermercado cheia de papeizinhos – cada um contendo o nome de um infeliz participante da brincadeira. Os nomeados são então compelidos a retirar, aleatoriamente, um dos papéis da caixa de Pandora sacola – o nome retirado é o seu querido amigo secreto, digno de um presente que você comprará com todo amor e carinho. Nesse ponto a regra não é clara – em algumas situações, alguém estipula um valor máximo para as compras, ou mesmo cria uma lista onde cada coitado define o que gostaria de ganhar. Tudo muito simples, divertido e socialmente adequado.

Ou não.

Pra começo de conversa, o sorteio acaba sendo tudo, menos aleatório. Isso porque nosso querido Papai do Céu, portador de um cinismo crônico e de um humor negro dignos de Sérgio Mallandro, adora interferir nesse tipo de evento – e você fatalmente retirará da sacolinha o nome da única pessoa do escritório que você não suporta/não conhece/quer-ver-morta-debaixo-de-um-caminhão-de-mudanças. E não contentes em te obrigar a presentear o mentecapto, os organizadores do jogo ainda exigem que você descreva aquela pessoa para que os demais participantes adivinhem quem é. Já viu o problema? “Meu amigo secreto é um babaca almofadinha pedante, que veste sempre a mesma camisa comprada na década de noventa e cheira a suor. Ah, ele também tem um mau hálito típico. Adivinharam?” à Não pega bem.

Mas tudo bem – vamos supor que você dê a sorte de retirar alguém que lhe seja completamente indiferente ou fácil de descrever [não, você NUNCA vai tirar alguém de quem gosta]. Ainda assim, você precisará comprar um mimo para o amigão. E nessa jornada, toda a sorte de intempéries pode se abater sobre você: Primeiro, lembre-se de que é Dezembro. Todos os shopping centers/lojas estarão transbordando de gente – alguns antecipando as compras natalinas, outros preocupados com seus próprios Amigos Secretos. Segundo, sempre tem um idiota que pede um CD/DVD/Livro fora de edição que você não encontra em LUGAR NENHUM DESSE MUNDÃO DE MEU DEUS. E... você adivinhou: É precisamente esse idiota que você sempre tira. Tudo aleatório.

Mas mesmo os Amigos Secretos tem seu o lado bom, né? Afinal, você tem a chance de receber um presentinho, e isso sempre é bacana. Só que não é. Porque na remota posibilidade de você não ter sorteado o imbecil de quem ninguém gosta como seu amigo secreto, tenha a certeza de que foi justamente ele quem te sorteou. E mesmo que exista uma lista de desejos, onde todo mundo deixa CLARO o que gostaria de ganhar, o sujeito vai dar um jeito de encontrar algo que seja “muito mais a sua cara” do que aquilo que você pediu. E aí, meu caro, você está perdido: Pouco importa se a criatividade do energúmeno foi utilizada de coração ou para tirar uma com a sua cara – o que quer que você receba será algo completamente inútil, medonho e terá sido comprado em uma loja que não aceita devoluções. E ao receber o elefante branco, você será compelido por palminhas de todos os presentes a desembrulhar o troço em público – e será forçado a fingir que amou a surpresa e está mais feliz do que no dia do nascimento do seu primogênito.

Criatura anti-social que sou, eu não participo mais de Amigos Secretos há tempos – e isso de alguma forma me é motivo de orgulho. Eu adoraria andar por aí com um botom no peito com os dizeres “Meu nome é Fabio Piva e eu não participo de Amigos Secretos há dez anos”, ou mesmo “Cada vez que alguém coloca meu nome numa sacolinha, um Panda morre de apendicite” – mas nunca encontrei um desses para comprar. Hum... tá aí: Na próxima vez em que alguém me voluntariar-contra-a-minha-vontade a participar de uma festinha dessas, já sei o que pedir. 


sábado, 11 de dezembro de 2010

Querido diário

[Muita gente me pergunta como eu consigo escrever para o Paciência Negativa e ainda trabalhar na minha tese de doutorado sem enlouquecer. Como ando ocupado com a pesquisa, resolvi postar uma entrada do meu diário de projeto – para demonstrar que, com um pouco de organização e força de vontade, é fácil preservar a sanidade mental e manter tudo andando. Que isso sirva de exemplo e encorajamento para os futuros mestres/doutores por aí.]

Querido diário,

Hoje será um dia atípico. A insônia das últimas noites não deu trégua – novamente dormi meros quarenta minutos de sono leve. Já os pesadelos – esses sim, não faltaram. Foi como das últimas vezes: Um elevador que subia, subia, subia e não parava nunca. Enquanto subia, ele diminuía de tamanho – e as paredes pareciam verter sangue ou algum tipo de fluído viscoso. Preto, no entanto – não era vermelho. Novamente, acordei assustado – o sentimento era o de que eu tinha protagonizado algo condenável e estava sendo consumido pela culpa. Provavelmente deve ser mera reação à pressão – o prazo para a entrega do artigo se aproxima e a falta de descanso tem me atrapalhadAll work and no play makes Fabio a dull boy All work and no play makes Fabio a dull boy All work and no play makes Fabio a dull boy All work and no play makes Fabio a dull boy All work and no play makes Fabio a dull boy All work and no play makes Fabio a dull boy All work and no play makes Fabio a dull boy All work and no play makes Fabio a dull boy.

De qualquer forma, meu psiquiatra diz que os sonhos são apenas isso – sonhos. A recorrência dos pesadelos com cadáveres dilacerados dos meus colegas e entes queridos também não são nada demais – apenas uma metáfWhat’s your favourite scary movie? e problemas cotidianos que eu preciso solucionar. Enquanto minha sensatez permanecer inabalada, não há motivo para alarde, reforça o doutor.

O trabalho flui bem – a prova do último Teorema de Fermat elucida claramente a questão sobre a distribuição de números primos entre I am not economically viable dois à trigésima oitava potência. Um problema a menos.

Aliás, isso me lembra que preciso visitar a sala do “chefe”. Meus últimos escritos provocaram uma reação peculiar no meu orientador: Ele insiste em se reunir comigo o mais rápido possível – e parecia preocupado, o pobre. Suponho que, novamente, não tenha compreendido minha expansão de Fourier que viabiliza a aplicação de funções de hash Chameleon sobre o protocolo. Pensando bem, não compreendo como ele podHERE’S JOHNNY! tão longe na hierarquia acadêmica, enquanto eu – muito mais preparado – não passo de um mero aluno de doutorado. A vida não é mesmo justa – alguém deveria acertar os ponteiros do relógio do mundo, eliminando o peso morto.

O cronograma para hoje é o seguinte: Primeiro, preciso preparar slides “a lá mobral” para explicar a expansão da transformada para o “chefe” – aquele inepto. Acredito que consiga concluir isso no meu horário de almoço. A seguir, preciso finalizar a revisão da prova de Wiles para incluí-la na tese. Esmiuçar os detalhes da magnífica produção matemática do americano é fundamental paraREDRUM REDRUM problema da parada. Mas antes disso, preciso levar de volta o machado à loja de ferragens – ainda não entendi porque a faxineira teria comprado tal ferramenta. E se não foi ela, quem teria sido? Eu me lembraria de alguma visita ter adentrado meu lar portando uma arma branca tão proeminente. Além disso, eu não tenho lareira em casa – todo mundo sabe. Estranho.

Por fim, não posso me atrasar para a reunião com os colegas de laboratório às quinze horas. O “chefe” fez questão de divulgar que eu tinha algumas notas a acrescentar à prova de Wiles, e todos parecem ansiosos pela minha apresentação. Eu estou bastante tranquilo – os resultados são sólidos e já se foi o tempo em que eu sofria de nervosMISERY CHASTAIN CANNOT BE DEAD! certo de que tudo correrá bem.

Ah sim – preciso também me lembrar de postar alguma coisa no blog. Minhas últimas descobertas têm me tomado todo o meu tempo, de forma que não consegui escrever nada próprio para hoje. Bem, talvez eu poste esta entrada do meu diário, que me parece relativSeven-six-two millimeter. Full metal jacket >:-D. É uma boa forma de demonstrar aos meus leitores que é sim possível executar um projeto de doutorado e, ao mesmo tempo, manter a sanidade e uma vida social saudável.

Bem, preciso preparar o material para a apresentação. Apontador laser, pincel atômico, noteboI'm Norma Bates!, machado, lonas plásticas… será que esqueci algo? Acho que isso é tudo.

10/12/2010