No entanto, uma coisa é consenso: Quanto mais gente aglomerada em um espaço restrito, mais ofuscados os exemplares dignos da espécie se tornam. As multidões têm a estranha capacidade de fazer com que até o mais louvável dos seres se porte da maneira mais irritante possível. E enquanto a maioria dos aglomerados reúne elementos de uma mesma tribo ou partidários de algum interesse comum qualquer, existem ambientes em que encontramos absolutamente todo tipo de gente – verdadeiras placas de petri sociais: Os shopping centers. E se podemos dizer que existe alguma coisa no mundo que se aproxima da pior definição de inferno de que se tem notícia, é seguro dizer que são os shopping centers nos finais de semana.
Qualquer shopping center que se preze conta com o kit completo para irritar até mesmo o mais devoto monge tibetano: Em primeiro lugar, é o palco onde os adolescentes ensaiam suas pecinhas de conquista. Por alguma razão, é extremamente normal encontrar matilhas de jovens do mesmo sexo à procura de uma presa fácil – ainda que não se tenha notícia de alguma caçada do gênero que tenha trazido qualquer sucesso aos protagonistas. Mas isso pouco importa: Sábado após sábado a molecada se dirige em peso, em busca de romance, aos centros comerciais – que de românticos não têm absolutamente nada.
“Ah, mas a presença massiva de adolescentes não é motivo suficiente para evitar um ambiente, caro autor”, você diz. Discordo. Mas seguindo essa linha de pensamento, devemos nos lembrar que os antagonistas dos adolescentes na linha da vida – os velhinhos – também encontram-se muito bem representados nos shopping centers. E velhinhos são fofos, velhinhos são legais, velhinhos são bonitinhos. Mas velhinhos em shopping centers são extremamente irritantes. Para começo de conversa, há os quase noventa porcento das vagas de estacionamento dedicadas exclusivamente a eles [sei que a porcentagem não chega a tanto, mas certamente me parece – cada vez que eu tenho que procurar uma vaga para colocar o carro]. Mas os velhinhos, que consideram tais vagas humilhantes, não as utilizam... bem, nunca. Pela mesma razão, evitam ao máximo o caixa eletrônico preferencial – preferem pagar todas as contas no único caixa que tem saque, e no único dia da semana em que a população do shopping center se aproxima de quatrocentas e trinta e nove pessoas por metro quadrado. E você, que só queria tirar dois reais para comprar uma casquinha do McDonnald’s, deve se contentar em contemplar aquele caixa preferencial vazio enquanto a fila atrás de você aumenta.
Velhinhos e adolescentes, adolescentes e velhinhos – não dá para ficar pior do que isso. Mas dá. Porque os shopping centers, além de uma Torre de Babel de aniversários, é também o ponto predileto dos casaizinhos cuti-cuti. Afinal, que outro lugar seria melhor para estes verdadeiros praticantes do amor eterno demonstrarem ao mundo seu amor épico, do que um ambiente repleto de expectadores? E aí você está lá, esperando a sua vez na fila quilométrica de algum restaurante da praça de alimentação – pacientemente, sempre pacientemente. E quando está quase definhando de fome, a um passo de ser atendido, o casalzinho que se encontra imediatamente à sua frente na fila se atraca. Chega a vez deles, e eles não notam. A moça do caixa chama, re-chama, re-re-chama... mas aquele amor é grande demais para que eles ouçam. Mas a sua fome é maior – quem nunca cometeu um duplo-homicídio mental em uma hora dessas, que atire a primeira pedra.
Adolescentes, velhinhos, casaizinhos. E passeadores – não podemos falar de shopping centers sem mencionar os passeadores. Sim, caro leitor, existem pessoas que se dirigem a um shopping center lotado no fim de semana com o intuito único de passear. E estes levam a família, é claro. E enquanto você traça na sua cabeça a menor rota possível para chegar do ponto A ao ponto B, irritado por precisar estar ali por alguma razão inadiável, os passeadores treinam para o casamento e param em vitrines – sem dar luz de freio. Você os tenta evitar, desvia, muda a rota on-the-fly buscando os corredores que tem menos vitrines – mas nada parece adiantar. Porque os passeadores detestam outros passeadores – acham que eles estão ali unicamente para atrapalhar aquela tarde tão gostosa em família. E te seguem, mesmo nos confins mais ermos do shopping. É nesses momentos que uma insuportável sensação de claustrofobia me acomete e eu me lembro com carinho daquele vídeo-clipe de Bitter Sweet Symphony – e tenho vontade de sair atropelando todo mundo.
Odeio shopping centers, e os odeio ainda mais nos finais de semana. Você certamente já ouviu alguma comparação dos shopping centers a formigueiros. Pois eu discordo dessa analogia, e esclareço o porquê: Nos formigueiros, embora a população por metro quadrado seja relativamente a mesma que nos centros de compra, existe certa organização. Uma organização aparentemente caótica, é verdade – mas ainda assim criteriosa. As formiguinhas estão ali porque suas vidas dependem daquilo, e todas trabalham para um objetivo em comum. Bem diferente dos shopping centers, onde encontramos um buzilhão de pessoas reunidas pelos mais "inrelacionáveis" motivos. E o fato de este texto ter sido idealizado num sábado, e em um shopping center lotado, me faz pensar por que diabos a gente ainda se submete a esse tipo de coisa. E aí me lembro que, sendo integrante da Humanidade, não tenho melhor razão para justificar minha própria insensatez.