sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Shopping centers

Se você acompanha as minhas postagens no Paciência Negativa, já deve ter percebido que sofro de um desapreço quase crônico pela raça humana. Enquanto espécie, somos mesquinhos, demagógicos, incoerentes, egoístas – e ainda assim acreditamos estar no topo da escala evolutiva, por sermos assim tão diferentes dos demais bichos. Por outro lado, há indivíduos que nos fazem ter orgulho – mesmo que um orgulho corriqueiro – da nossa raça. No final das contas, não se pode generalizar para nenhum dos dois lados: No mundo há muita gente admirável, com também há muita gente que nos desperta a mais legítima das auto-vergonhas alheias.

No entanto, uma coisa é consenso: Quanto mais gente aglomerada em um espaço restrito, mais ofuscados os exemplares dignos da espécie se tornam. As multidões têm a estranha capacidade de fazer com que até o mais louvável dos seres se porte da maneira mais irritante possível. E enquanto a maioria dos aglomerados reúne elementos de uma mesma tribo ou partidários de algum interesse comum qualquer, existem ambientes em que encontramos absolutamente todo tipo de gente – verdadeiras placas de petri sociais: Os shopping centers. E se podemos dizer que existe alguma coisa no mundo que se aproxima da pior definição de inferno de que se tem notícia, é seguro dizer que são os shopping centers nos finais de semana.


Qualquer shopping center que se preze conta com o kit completo para irritar até mesmo o mais devoto monge tibetano: Em primeiro lugar, é o palco onde os adolescentes ensaiam suas pecinhas de conquista. Por alguma razão, é extremamente normal encontrar matilhas de jovens do mesmo sexo à procura de uma presa fácil – ainda que não se tenha notícia de alguma caçada do gênero que tenha trazido qualquer sucesso aos protagonistas. Mas isso pouco importa: Sábado após sábado a molecada se dirige em peso, em busca de romance, aos centros comerciais – que de românticos não têm absolutamente nada. 


Ah, mas a presença massiva de adolescentes não é motivo suficiente para evitar um ambiente, caro autor”, você diz. Discordo. Mas seguindo essa linha de pensamento, devemos nos lembrar que os antagonistas dos adolescentes na linha da vida – os velhinhos – também encontram-se muito bem representados nos shopping centers. E velhinhos são fofos, velhinhos são legais, velhinhos são bonitinhos. Mas velhinhos em shopping centers são extremamente irritantes. Para começo de conversa, há os quase noventa porcento das vagas de estacionamento dedicadas exclusivamente a eles [sei que a porcentagem não chega a tanto, mas certamente me parece – cada vez que eu tenho que procurar uma vaga para colocar o carro]. Mas os velhinhos, que consideram tais vagas humilhantes, não as utilizam... bem, nunca. Pela mesma razão, evitam ao máximo o caixa eletrônico preferencial – preferem pagar todas as contas no único caixa que tem saque, e no único dia da semana em que a população do shopping center se aproxima de quatrocentas e trinta e nove pessoas por metro quadrado. E você, que só queria tirar dois reais para comprar uma casquinha do McDonnald’s, deve se contentar em contemplar aquele caixa preferencial vazio enquanto a fila atrás de você aumenta. 

Velhinhos e adolescentes, adolescentes e velhinhos – não dá para ficar pior do que isso. Mas dá. Porque os shopping centers, além de uma Torre de Babel de aniversários, é também o ponto predileto dos casaizinhos cuti-cuti. Afinal, que outro lugar seria melhor para estes verdadeiros praticantes do amor eterno demonstrarem ao mundo seu amor épico, do que um ambiente repleto de expectadores? E aí você está lá, esperando a sua vez na fila quilométrica de algum restaurante da praça de alimentação – pacientemente, sempre pacientemente. E quando está quase definhando de fome, a um passo de ser atendido, o casalzinho que se encontra imediatamente à sua frente na fila se atraca. Chega a vez deles, e eles não notam. A moça do caixa chama, re-chama, re-re-chama... mas aquele amor é grande demais para que eles ouçam. Mas a sua fome é maior – quem nunca cometeu um duplo-homicídio mental em uma hora dessas, que atire a primeira pedra. 


Adolescentes, velhinhos, casaizinhos. E passeadores – não podemos falar de shopping centers sem mencionar os passeadores. Sim, caro leitor, existem pessoas que se dirigem a um shopping center lotado no fim de semana com o intuito único de passear. E estes levam a família, é claro. E enquanto você traça na sua cabeça a menor rota possível para chegar do ponto A ao ponto B, irritado por precisar estar ali por alguma razão inadiável, os passeadores treinam para o casamento e param em vitrines – sem dar luz de freio. Você os tenta evitar, desvia, muda a rota on-the-fly buscando os corredores que tem menos vitrines – mas nada parece adiantar. Porque os passeadores detestam outros passeadores – acham que eles estão ali unicamente para atrapalhar aquela tarde tão gostosa em família. E te seguem, mesmo nos confins mais ermos do shopping. É nesses momentos que uma insuportável sensação de claustrofobia me acomete e eu me lembro com carinho daquele vídeo-clipe de Bitter Sweet Symphony – e tenho vontade de sair atropelando todo mundo. 


Odeio shopping centers, e os odeio ainda mais nos finais de semana. Você certamente já ouviu alguma comparação dos shopping centers a formigueiros. Pois eu discordo dessa analogia, e esclareço o porquê: Nos formigueiros, embora a população por metro quadrado seja relativamente a mesma que nos centros de compra, existe certa organização. Uma organização aparentemente caótica, é verdade – mas ainda assim criteriosa. As formiguinhas estão ali porque suas vidas dependem daquilo, e todas trabalham para um objetivo em comum. Bem diferente dos shopping centers, onde encontramos um buzilhão de pessoas reunidas pelos mais "inrelacionáveis" motivos. E o fato de este texto ter sido idealizado num sábado, e em um shopping center lotado, me faz pensar por que diabos a gente ainda se submete a esse tipo de coisa. E aí me lembro que, sendo integrante da Humanidade, não tenho melhor razão para justificar minha própria insensatez. 




[Pauta sugerida por Karina Mochetti (@karina_mochetti)]

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Fofo é o escambau!

O telefone toca:

– Oi, Ju! E aí, como foi ontem com o Leo?
– Ai, amiga... foi super demais! A gente saiu pra jantar, depois fomos a uma mostra de cinema em sampa. De lá, seguimos para um café e ficamos lá até de manhãzinha. Adorei!
– Juraaaaaa? E aí, curtiu o Leo? Acho que vocês tem tudo a ver!
– Nossa, ele é um fofo!

[Trilha sonora dramática]

Reflitamos: Juliana passou horas observando o armário, escolhendo o modelito, se maquiando, imaginando como seria seu primeiro encontro com Leo. O moço chegou no horário, tocou a campainha, ela atendeu a porta – e os olhares se cruzaram pela primeira vez. Jantaram, se divertiram, Leo fez Juliana rir – “que cara engraçado!” – descobriram interesses em comum... Amanheceram juntos em um café. E após uma noite na companhia um do outro, após horas a fio de mútua avaliação e observações cuidadosas, tudo o que Juliana tem a dizer à sua fiel escudeira a respeito de Leo é que ele é “fofo”. Conclusão? Isso não pode ser bom. Ao menos para Leo, já que Juliana acaba de encontrar seu próprio representante heterossexual de “amigo gay”.

Pausa para o protesto das leitoras. Pronto? Prossigamos.

A verdade é que não há absolutamente nada de errado com o adjetivo “fofo”. Veja os ursinhos de pelúcia, por exemplo – são fofos. Todos os que não são mortos por dentro gostam de ursinhos de pelúcia. O mesmo raciocínio se aplica àquele seu primo/sobrinho de oito anos, gordinho, espivetado e que usa um óculos fundo-de-garrafa: Ele também é fofíssimo. E provavelmente não há nada mais fofo no mundo conhecido do que um filhote de quase qualquer bicho. Ursos de pelúcia, sobrinhos gordinhos e filhotes – todos visões materializadas da fofura. O problema é que ninguém, em sã consciência, teria tesão em nenhuma dessas simpáticas criaturas [ou ao menos prefiro imaginar que não].

Quando um homem sai com uma moça – pasmem! – ele está repleto de segundas intenções. Ele pode ser um gentleman, pode ser tímido, pode ser virgem – mas invariavelmente, e por uma questão absolutamente instintiva, o que cada uma de nossas moleculazinhas de testosterona espera é que despertemos interesse sexual em nossa contraparte. E eu não estou dizendo que todo homem que sai com você, inocente rapariga, quer te comer de cara [mas também não estou dizendo que não quer]. Só estou esclarecendo que todos nós, absolutamente todos, sentimos uma inevitável invejinha daquele limpador de piscina latino, moreno e alto, que sempre aparece sem camisa exibindo seu abdomem definido nas telas de cinema – e que nenhuma de vocês nunca chama de "fofo". E tal invejinha nos acomete toda vez que as moças que nos acompanham suspiram por ele, ou quando notamos seus olhinhos brilharem pelo mentecapto. Por outro lado, quando um bebê fofinho aparece no comercial da Johnson & Johnson ou quando a leoa do zoológico municipal dá cria, nós não sentimos inveja alguma; nem mesmo quando vocês se derretem todas, tombam suas cabecinhas para o lado e pronunciam a onomatopéia mais classicamente feminina do mundo: “Óóóóóóóun...!”. Estão acompanhando? Limpador de piscina – “me-taca-na-parede-e-me-chama-de-lagartixa” – inveja. Bebê Johnson & Johnson – “ti-fofo!” – não inveja. É simples.

Particularmente, não conheço nenhum homem que ache digno ser considerado fofo por qualquer mulher. As mães/avós/tias são as exceções óbvias – mas apenas porque elas nos conheceram quando nossos pés cabiam na palma de suas mãos, e sempre nos verão imutavelmente como seres pequerruchos. O que eu estou tentando dizer, cara leitora, é algo que considero de fundamental importância  para a continuação da espécie: Toda vez que uma mulher sexualmente selecionável diz que um homem é fofo, uma centena de espermatozoides cometem suicídio coletivo.

E aí vêm os contra argumentos na seguinte linha: “Protesto, caro autor, protesto! Porcos tem um desempenho sexual invejável, experimentam orgasmos de meia hora e são fofos. Coelhos passam metade da vida fazendo sexo e são fofos. Você não sabe de nada!”. Tudo isso aí é verdade, mas eu rebato: Você não transa com porcos ou coelhos, transa? Sai pra jantar, fica esperando uma ligação no dia seguinte, suspira sozinha pelos cantos enquanto pensa neles... suspira? Não. Assim, me recuso a aceitar argumentos dessa espécie. A menos, é claro, que venham de porquinhas ou coelhas. Aliás, me arrisco a dizer que o desempenho dos porcos e coelhos só é tão invejável porque as porcas e coelhas não acham seus parceiros fofos. Tenho quase certeza.

Por isso, gostaria de iniciar aqui um movimento masculino anti-fofura. Já precisamos conviver com a idéia que vocês fazem de que “engraçado/bacana/legal/joinha/simpático” são elogios dignos e másculos – não são. “Atraente/charmoso/envolvente/cativante/inteligente/brilhante/gostoso/delícia” – estes são alguns dos adjetivos que provocam sentimento de dever cumprido em cada um dos nossos cromossomos Y. Mas se você PRECISA de um namorado fofo, não pode viver sem um, não tem problema – desde que você não o defina assim na frente dele ou para suas amigas. Melhor: Disfarce a alcunha em algo mais selvagem, sei lá... diga que é um troglo-fofo ou um fofo-sapiens. Talvez assim a gente se distraia com nossa própria imagem – ainda que falsa – de bárbaro com tacape e esqueçamos o sentimento de castração típico que acompanha cada “seu fofo!” que recebemos de vocês. Fica a dica.


[Pauta sugerida por Rozeli Mesquita (@RozeliMesquit)]

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Descomunicação

Internet, celular, MSN, Gtalk, etc, etc, etc. Nos encontramos provavelmente na Era de Aquário da comunicação – já disse isso aqui antes. No entanto, a tecnologia me parece cada vez mais ter avançado muito rápido – muito mais rápido do que nos mostramos capazes de acompanhar. Na internet, encontramos informação sobre absolutamente tudo – mas para tanto é preciso desviar de toda a pornografia. O email é muito mais eficiente que os correios – MUITO mais – mas temos que suportar os spams e os FWs “super hilários” que aquele parente chato manda a rodo para toda a família. No Youtube, é possível assistir programas de televisão que você perdeu ou tutoriais sobre absolutamente qualquer coisa – mas é também muito fácil perder horas assistindo vídeos imbecis publicados com o intuito de acumular Views. Enfrentamos tempos simultaneamente áureos e negros.

Particularmente, adoro a possibilidade de me comunicar através do computador. Existem poucas coisas no mundo que me irritam mais do que falar ao telefone – e diga-se de passagem, não são poucas as coisas do mundo que me irritam. Mesmo assim, sempre que o infeliz representante do legado de Graham Bell toca eu suspiro, me encho de boa vontade e, em um esforço máximo de boa vontade, atendo – mas não sem um notório tom de desgosto e auto piedade na voz: “Alô.”

Alô? Oiiiiiiii, tá ocupado?

Ai, meus sais – a reação é sempre a mesma. Por que eu atendi? Por que não deixei a joça tocar, tocar, tocar até cair a ligação? Afinal, é sempre algum amigo ou conhecido querendo conversar, pedir conselhos, contar alguma novidade interminável ou algo que o valha. Nunca é uma desgraça, uma emergência ou alguém dizendo que um parente rico morreu e me deixou uma herança milionária. E é por isso que gosto tanto dos emails – eles ficam ali quietos, esperando pacientemente a sua boa vontade para lê-los. E mesmo quando você os lê, pode se permitir algum atraso para redigir uma resposta – ou simplesmente ignorá-los por completo, em casos extremos. Bem diferente do telefone que, quando você atende, está irremediavelmente perdido: Só vai se livrar daquilo quando a situação proposta pelo interlocutor for completamente resolvida. E em tempos em que o próprio tempo é escasso, essa impossibilidade de procrastinação característica dos meios de comunicação das antigas é simplesmente inaceitável.

Mas mesmo os telefones encontraram na modernidade um espaço sólido para existir – na forma de celulares. É claro que a possibilidade de se fazer uma ligação de onde quer que estejamos é algo no mínimo prático pacas. Mas assim como podemos ligar para alguém a qualquer momento, todos assumem que podemos atendê-los a qualquer momento. Assim, o advento dos celulares privou a humanidade daquela velha desculpa do “eu não tava em casa” que você usava sempre que via um número indesejado aparecer no identificador de chamadas do telefone fixo. Pois é, a tecnologia também tem seu lado trágico. 

E no quesito tragédia, os mensageiros instantâneos – MSN, Gtalk e afins – são reis. Quem passa o dia todo conectado [presente!] está habituado a lidar com situações em que alguém nos chama e nós não estamos com a mínima vontade com tempo disponível para responder. Para estas situações, os complacentes tecnólogos inventaram o sistema de status: Você pode se identificar como “ocupado” ou “ausente” em qualquer mensageiro que se preze. Em tese, isso já seria suficiente para resolver o problema das chamadas indesejadas. No entanto, todos sabemos que a maioria dos chatos mais tradicionais acham que um “ocupado” não é mais que um status utilizado por quem acha que a bolinha vermelha é mais bonitinha que a verde – e nada mais. E te chamam. Se você não responde, te chamam de novo após dez minutos. A estes, deixo um recado: Se alguém está “ausente” e não respondeu sua mensagem anterior, não adianta mandar uma nova. Ou a pessoa ainda não voltou, ou ainda não quis te chamar de volta por algum motivo – e o repeteco de mensagens não mudará esta triste situação. E também não adianta mandar “nudge” – aquele irritante trimilique que mata a gente de susto enquanto tentamos nos concentrar em alguma tarefa mais importante – porque não só continuaremos a não responder como sentiremos uma inevitável raivinha da sua insistência sem noção. O inventor do “nudge”, aliás, deveria ter um espacinho especial reservado no inferno.

Nunca foi tão fácil se comunicar como atualmente – e como tudo, isso traz prós e contras. E em meio a tantas possibilidades de contatar alguém a qualquer momento, acho natural que a gente se perca um pouco – mas seria ótimo se todos procurássemos exercitar um pouquinho de bom senso com as ferramentas modernas. Todo mundo já passou por uma situação na seguinte linha: A pessoa te liga no celular e diz “Ô, te mandei um tweet, vê lá quando puder”. Aí você entra no Twitter, e vê que o indivíduo escreveu assim: “DM”. Aí você clica nas suas DMs e lá está: “Te mandei um email”. Perdendo a paciência, você entra na sua caixa de emails, clica na mensagem do infeliz e, finalmente, vê o que era tão importante: “Preciso falar com você. Me liga quando puder”. Pô! 


sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Intuitável

Acabo de notar que passei todo o período eleitoral sem escrever quase nada de cunho político. Também evitei de me envolver em discussões casuais sobre o tema, e procurei me manter neutro nas redes sociais de que participo. E esse ostracismo auto-impingido não foi descaso por um assunto que, obviamente, é digno de atenção – foi apenas uma tentativa de não me estressar mais do que o necessário, e nada mais que isso. E passadas as eleições, declaro que falhei: Fazendo parte de uma minoria não-militante, me estressei ao me dar conta de que teria me estressado ainda mais se não tivesse ficado calado – uma espécie de meta-estresse. Me estressei ao me dar conta de que eu não escolhi não contribuir para a discussão – fui praticamente obrigado a fazê-lo, em virtude da intolerância sem precedentes que se instaurou nos meus círculos sociais por causa da eleição presidencial. Me estressei, portanto, ao perceber que existem coisas intuitáveis.

Mas este não será um texto sobre política, tranqüilizem-se. Hoje abordaremos a intuitabilidade das coisas – algo muito mais profundo, filosófico e tal.

Intuitável (in-tu-i-tá-vel), adj.: Pensamento, idéia ou opinião que, se emitida em meio a um grande volume de pessoas, desperta o monstrinho da intolerância que vive dentro de cada um de nós. Termo originado em uma rede social virtual – o Twitter – mas que pode ser facilmente extrapolado para o mundo real. Por exemplo, responder “sim” à pergunta “Estou gorda?” de uma mulher é algo intuitável. Declarar-se torcedor de qualquer time que não seja o Brasil em época de Copa do Mundo é algo intuitável. Perguntar a alguém se ele é homossexual é algo intuitável, na maioria dos casos. E assim por diante.

Reparem – o mundo está repleto de pensamentos intuitáveis. No micro-cosmo das redes sociais, em particular, a situação é ainda mais complicada: Você pensa em algo, motivado sei-lá-pelo-que, e escreve. Aquela idéia cai em meio a tantas outras e, muitas vezes, encontra um contexto – mesmo que não seja aquele que você previu. E aí já é tarde demais: A esbórnia já está feita, alguém veste a carapuça e o caos se instaura. Tudo porque você se esqueceu, mesmo que por alguns segundos apenas, de que as pessoas têm uma tendência quase irresistível de acharem que tudo o que é dito no mundo é direcionado a elas. O mundo, aliás, é a entidade mais cheia de umbigos de que já se teve notícia.

Política, futebol, religião, arranca-rabos anônimos – todos temas intuitáveis. Especificamente na nossa terrinha, expressar sua oposição a qualquer linha de pensamento – seja através da argumentação contra algum partido político ou através da discordância de algum princípio cultuado por alguma igreja qualquer – é automaticamente entendido como ofensa pessoal aos que concordam com aquilo. Da mesma forma, experimente escrever na sua rede social predileta algo na linha de “Tem gente aqui que se acha a última bolacha do pacote”: Imediatamente, aquela carapucinha que você arremessou tão despretensiosamente na arena será disputada com unhas e dentes por uma porção de terceiros, quartos e quintos – mesmo que você a tenha tricotado para sevir em uma cabeça específica. Aparentemente, no escopo das coisas intuitáveis, todas as carapuças vêm em tamanho único.

E aí entra outro termo intimamente relacionado à intuitabilidade: O das panelas. Esse todo mundo conhece: Na escolinha, sempre existiam aqueles grupinhos quase impenetráveis, que reuniam gente com alguma similaridade. E todos os que ficavam de fora abominavam as panelas – e passavam boa parte do seu tempo útil dissertando sobre como as panelas eram ruins, chatas e bobas. E debatiam ferrenhamente sobre a injustiça daquele feudalismo social, em conversas animadíssimas – conversas estas protagonizadas com os membros de suas próprias panelas.

Mas a verdade é que nas panelas, ao menos, não existem pensamentos intuitáveis. Tudo o que você diz ali é recebido pelos seus pares como algo digno de reflexão – mesmo que seja a bobagem mais ofensiva do mundo. É como se seus “sócios” procurassem entender os reais motivos que o levaram a dizer aquilo, o que quer que seja – uma espécie de contra-intolerância que tem feito falta no mundo não-panelístico. E não estou me referindo aos tristes casos em que todos concordam cegamente com o que outro colega culinário diz: Minha apologia às panelas se limita aos casos em que seus membros exercitam a sensatez de ponderar sobre uma idéia antes de atacá-la irracionalmente – mesmo que seja para discordar de forma civilizada depois. Idealmente, este benefício se estenderia para além dos limites da panela – e o conceito de intuitabilidade seria extinto da face da terra.

Civilidade – é disso que tenho sentido falta nos círculos que freqüento. Em uma época em que a comunicação anda tão em voga, com tamanha disponibilidade de inúmeros mecanismos para reduzir as distâncias entre as pessoas, a intolerância parece correr mais solta do que nunca. Tenho saudades de tempos em que poderíamos expressar a mais absurda das opiniões e mesmo assim seríamos ouvidos, respeitados e apoiados/contra-argumentados civilizadamente. Tempos em que uma discussão não tomava, pelo menos não sempre, as dimensões de uma guerra civil que deve ser resolvida com o extermínio de um dos dois lados. Concordo que não é fácil conviver com tanta gente com opiniões assim, tão diversas das nossas. Mas simplesmente ofender, atacar e arrancar tais pessoas do nosso convívio me parece algo no mínimo infantil – atitudes da mesma natureza de “dar o dedinho” e “tô de mal, come sal”. É claro que a cada um deve ser garantido o direito de selecionar seus convíveres, não é isso que eu questiono. Questiono apenas os motivos para tal. Afinal, seres humanos são muito mais do que uma opinião sobre assunto X ou Y – e respeitar as diferenças de cada um deveria fazer parte de relacionar-se.

Pensando bem, este texto talvez seja intuitável. Mas agora já foi.