Este texto é a transcrição da minha primeira entrada no Diário Exploratório de Colonização: Projeto
Dóitxe-lândia. Dóitxe-lândia, a
terra recém-descoberta, é o nome que a tripulação usa atualmente para se
referir à área de interesse – uma livre-adaptação da palavra local “Deutschland” que, até onde pudemos
verificar, apresenta significado local próximo de “centro
do mundo” ou “berço da melhor cultura
do planeta”. Um novo título será outorgado em breve pelo Conselho de Bordo,
mais inteligível para os cidadãos do Mundo Moderno.
Vamos aos fatos.
-------------
[Diário de bordo, data estelar
26/07/2012 d.C. – dia 146 pré-holocausto-Maia]
À Vossa Alteza Dilma “Rosa da Bulgária” Rousseff,
Hoje faz um ano desde nossa partida do Berço Tupiniquim
rumo à terra prometida. Digo-lhe no dia de hoje, com segurança, que nosso
precursor Cristovão Colombo – descobridor da nossa amada América (salve,
salve!) – era nada mais que uma menininha facilmente impressionável. Esta nova
terra Dóitxe-lândia, essa sim, é de fato uma terra estranha, povoada por
indígenas exóticos com hábitos e língua peculiarmente perturbadores.
A população local parece indubitavelmente selvagem e, no
entanto, mostram-se extremamente protecionistas quanto à sua cultura –
resistindo bravamente à qualquer incursão exploratória de aventureiros
provindos de culturas mais desenvolvidas. O maior exemplo disso talvez resida
na manutenção teimosa do idioma local – as tribos aqui mantém-se fiéis ao Deutsch [Nota do capitão: “Dóitxe”,
livre tradução], uma técnica de comunicação essencialmente gutural, rica em grunhidos ameaçadores e vernáculos grotescamente longos. Nossa teoria é a de que
a agressividade única alcançada por este peculiar discurso teve papel
fundamental na sobrevivência da espécie Dóitxe; acreditamos que muitos dos
elementos incorporados a esta língua são adaptativas e servem
ao propósito de “mecanismos de defesa”, impingido grande temor a exploradores
precursores menos audaciosos.
Neste relato inicial, permita-me inteirá-la sobre as
particularidades desta estranha língua. Primeiramente, não sabemos ao certo se
o idioma se utiliza de palavras como blocos centrais de discurso. Sinto-me
pessoalmente inclinado a concordar com a parcela da tripulação que defende a
teoria de que o idioma nativo é “desvernaculado”; os argumentos são
contundentes – por exemplo, embora nosso Oficial Arqueólogo tenha encontrado
evidências de que o alfabeto utilizado na proto-escrita local seja o latino,
não temos dados significativos quanto ao uso de “espaço” entre os demais
caracterers. Algumas instâncias que comprovam esta hipótese:
·
Schwangerschaftverhütungsmittel: Pílula
contraceptiva.
·
Rindfleischetikettierungsüberwachungsaufgabenübertragungsgesetz: Lei de
rotulagem de carne.
Outro detalhe interessante sobre o dialeto: Esta
retrógrada cultura atém-se ainda a costumes antiquados de linguagem, como o trema. Também utilizam-se de grunhidos
impossíveis de serem reproduzidos por qualquer estrangeiro civilizado, como o fonema
“rrrrrrrr” de fundo de garganta –
característica que nosso Oficial Biólogo compara ao som característico emitido
por algumas aves silvestres como meio de identificar facilmente
outros indivíduos da mesma espécie. Por conta disso, uma pequena facção da
tripulação defende a teoria de que os Dóitxe não são mamíferos por completo,
descendendo ao invés disso de uma linhagem de híbridos entre primatas e pássaros
pré-históricos. Reforço a importância que esta implicação traria à nossa
expedição, Vossa Alteza: Podemos estar um passo mais próximos do Elo Perdido.
Concluo este documento inicial com dois apelos à Vossa
compaixão: Em primeiro lugar, é de fundamental importância humanitária que mais
fundos sejam destinados ao Projeto Dóitxe-lândia. Nossa condição favorecida
enquanto “nação moderna” nos impinge a responsabilidade de trazer a povos
sub-desenvolvidos – como os Dóitxes – as facilidades do século vinte e um.
Pessoalmente, considero inaceitável permitir que os habitantes desta pobre
colônia perdurem imersos na obscuridade do isolamento cultural que seu complexo
idioma implica. Esta talvez seja nossa maior motivação para perdurar em nosso
objetivo de colonizar Dóitxe-lândia: Exterminar o idioma local por completo e
substituí-lo pelo Português (salve, salve!).
Em segundo lugar, mas não menos importante: Solicito
realocação, com urgência, de um linguista para nosso contingente. É com extremo
pesar que comunico que nosso Oficial Linguista pereceu honradamente em serviço,
vítima de uma parada cardiorrespiratória após sete noites em claro tentando
decifrar um criptograma local [Nota do capitão: “Das Buch ist auf dem Tisch”. Seus esforços foram pagos em seu leito
de morte com a tradução desta críptica expressão, em seus últimos suspiros,
para “O livro está sobre a mesa”].
Enviarei a documentação necessária para requerimento de pessoal em anexo a este
documento.
Sem mais no momento,
[Capitão Fabio
Piva, Comandante Geral e co-fundador do Projeto
Dóitxe-lândia]