Não entendo muito bem esse
asco generalizado que a maioria das pessoas diz sentir pela mentira. Em minhas
andanças por esse mundão de meu deus, posso dizer seguramente que nunca –
N-U-N-C-A – encontrei um ser humano sequer que se declarasse amigável a este
injustiçado artifício social tão frequente em nossas vidinhas. Todo mundo se
proclama defensor supremo da verdade, sempre, aplicada irrestritamente doa a
quem doer – esse é o senso comum. Pois bem, caro leitor, sinto informar – mas a
verdade é overrated. A mentira é o
que move as engrenagens do mundo.
Péra. Eu vou explicar.
O negócio é o seguinte: A verdade é que todo mundo adora a
mentira (que trocadilho mais besta), mas não assume – porque gostar de mentira
é feio, é pecado, é sei-lá-mais-o-que-do-diabo-a-quatro. E aí a gente inventa
outros nomezinhos meigos para ela – lenda, folclore, boato, falácia, conto,
“versão de fulano”, “segundo ciclano”. E nos apoiamos nestes nomezinhos meigos
para nos convencermos (afinal,
mentir para si mesmo é babaquice – se convencer de algo é coisa de gente culta)
de que estamos em acordo com a toda-poderosa-salve-salve verdade. E
“acreditamos” que, se aquele fulano de nossa confiança está dizendo algo sem
pé-nem-cabeça, é porque deve ser
verdade. Se disseram na TV, é porque devem
existir comprovações. Se beltrano está sofrendo, é porque deve ter sido injustiçado. Mas ninguém nunca deve estar mentindo. Porque mentir é feio, é pecado, é... blá-blá-blá.
Assim, proponho que paremos,
afinal, com essa apologia exagerada à verdade.
A Verdade não é sequer assim tão interessante – vem sempre desarrumada,
sem maquiagem, esquece de pôr os brincos e usa sapato da coleção passada. A Mentira está sempre na moda e se enfeita
como ninguém – traz aquele ar de mistério que todo mundo adora e se empanturra
de penduricalhos legaizíssimos e decotes provocantes. A Mentira sempre tem
convites para sair no sábado à noite, quando a Verdade fica em casa rezando o
terço e assistindo Zorra Total. Ninguém se importa de fato com a Verdade – ela
é aquela menina estranha da sala que todo mundo sabe que tem potencial, mas acha
que nunca vai chegar a lugar nenhum. A Mentira? Sempre tem alguém interessado
na Mentira. E é muito mais fácil se enturmar com os coleguinhas se você também
gosta da menina mais desejada da turma – seja lá o que for que ela tem (ou não)
a mais do que as outras.
Mas como sempre, nem tudo
está perdido. Porque entre a verdade e a mentira, há aqueles de nós que se
reconfortam na definição da tal “mentira branca”. Essa está acima de qualquer
suspeita – uma espécie de coringa que todo mundo mantém na manga para qualquer
eventualidade que lhes exija mentir descaradamente. E esses, esses mesmos,
talvez sejam os mais indicados para me tirar a seguinte dúvida: Desculpem a
“inguinorança”, mas mentira branca é, ao que me parece, mentira. Seja ela
branca, verde, azul ou cor-de-rosa – é mentira. Não é? Ah, então tá.
Mas esse texto obviamente se
trata de um absurdo sem sentido. É mesmo? Então vamos lá: Desafio o leitor cagador-de-regras
honrado a passar um dia – sim, um diazinho só – dizendo somente a verdade por
aí. Sugiro que tente responder “você está
gorda nele” a qualquer senhora que lhe pergunte se “está bem naquele vestido caríssimo”. Sugiro que não diga que “aquela foi a melhor noite da sua vida”
quando questionado por seu par se se divertiu naquele primeiro encontro. E
recomendo que pergunte “mas será que você
não está dizendo isso porque está magoada?” para aquela amiga que veio
chorar as pitangas no seu ombro e disse que “quase teve seu coração arrancando do peito pelas garras daquele ex
namorado monstro-feio-bobo-chato-quase psicopata-devorador de moças puras”.
É isso mesmo – estou pedindo para que você pare de me ler com esses olhinhos
repletos de julgamento e siga com sua vidinha correta – mas não sem antes
praticar este pequeno exercício. Valendo.
E para aqueles que continuam
aqui comigo, deixo ainda outra sugestão: Abaixemos a verdade. Não é a mentira
que todos esperam e apreciam? Mintamos,
então. Abracemos sem medo a realidade, enfiemos o pé na jaca, assumamos o
filho preto de uma vez. Particularmente, não acho que haja nenhum problema em
darmos ao mundo o que o mundo quer. Sério – acho altruísta, até.
E finalmente, para os que
AINDA não me abandonaram – antes de mais nada, vocês tem muito tempo livre nas
mãos. Mas recompenso sua paciência – que eu mesmo não tenho – com uma terceira e
muito mais conveniente alternativa: Continuemos todos felizes e sapecas
idolatrando a verdade e aplicando aqui e ali uma mentirazinha branca de vez em
quando. Afinal, ficar em cima do muro é sempre mais confortável – acredito até
que todo muro que se preze seja repleto de poltronazinhas muito bem
acolchoadas, com uma trupe de garçons servindo café e canapés à vontade. Se
esta for a sua opção, é só subir aquela escadinha ali na frente. Mas entre na
fila, porque ela é longa.