Desculpe se vou despejar água no seu chope, caríssimo pai, mas o fato inquestionável é que você só faz parte da estatística. Milhões de pais ao redor do mundo bradam, precisamente neste momento, exatamente a mesma coisa que você: Que seus filhos são o messias. E destes, quase todos dirão em algum momento dos seus intermináveis anos de paternidade a célebre frase: “Onde foi que eu errei”. Respondo: Errou naquela noite em que você não tinha camisinha e cogitou “ah, só uma vezinha”, lembra? E a partir daí, errou em todos os anos subsequentes, em que você deixou sua cria tornar-se dona da casa, e falhou em estabelecer limites básicos. Sim, a culpa é toda sua.
Por isso, esclareço: Não odeio crianças, não sofro da síndrome de Herodes (embora sinta uma estranha compaixão por ele). Eu odeio pais. E nem são todos os pais -- apenas aqueles que, sob a a minha perspectiva, não sabem educar seus filhos adequadamente, ou seja, a imensa maioria. Se você queria um monstrinho para chamar de seu, creio que nada mais natural do que parir um zero quilômetros. O problema é que, diferente dos carros, que você vende ou manda para o ferro velho, os filhos são para a vida inteira. E acredite ou não, muita gente se esquece disso e desova filhos como se não houvesse amanhã. Só que quem está condenado a lidar com as consequências de um filho mal criado não é só você: Sou eu também, somos todos nós. E isso sim, considero inaceitável.
A coisa mais comum do mundo é ver um pimpolho endemoniado provocando o caos em algum shopping center. Mexe daqui, cutuca de lá, grita, chora, faz manha. Isso quando o infelizinho não chega ao lado da sua mesa, em pleno almoço, abre a boca cheia de comida e sai correndo, rindo da sua expressão de horror. E você fica se perguntando onde estariam os responsáveis pelo adestramento do bichinho. Em geral, encontram-se não mais longe do que cerca de uns dez metros, olhando tudo o que se passa e não tomando nenhuma providência. Em alguns casos, achando o máximo, até, como se aquilo ali não fosse um local público, digno de certa compostura e respeito ao próximo. Ensinar o respeito à individualidade parece ter caído de moda, assim como as “bárbaras”, porém eficazes, palmadas.
Sou defensor ferrenho do livre arbítrio, mas acho difícil não achar um boa idéia o castramento dos despreparados para criar um membro digno da sociedade. Tem gente que não nasceu para ser pai, e isso se torna óbvio cada vez que o indivíduo respira. Ainda melhor que o castramento, seria algum tipo de especialização profissional obrigatória: “Curso de adestramento para futuros pais - tudo o que você sempre quis saber mas tinha medo de perguntar”. As apostilas seriam distribuídas gratuitamente nas portas de motéis, bailes de carnaval e micaretas.
Tenho saudades do tempo em que, quando uma criança ultrapassava os limites, o simples olhar fulminante do pai já era suficiente para cortar as asinhas do rebento. As palmadas existiam, mas serviam mais como ameaça do que de fato como punição. Assim eu fui criado, e agradeço aos céus por isso. E embora eu não tenha crescido para me tornar o melhor dos adultos, cresci com valores sólidos de respeito ao próximo, e aprendi que nossa liberdade termina quando começa a do outro. Aprendi que não sou o dono da verdade, mas minha verdade é tão boa quanto a daquele mala de quem discordo em quase tudo. E aprendi que, pensando dessa forma, faço parte de uma minoria. Em resumo: Posso não ser um adulto exemplar, mas evito ao máximo invadir o espaço do próximo. E na pior das hipóteses, escrevo textos mal humorados que talvez incomodem pais de pequenos demônios.