sexta-feira, 29 de julho de 2011

Sobre idas e vindas

Malinha pronta encostada no batente da porta. De novo. Armário vazio, geladeira vazia, casa limpa... e vazia. De novo. No bolso, dinheiro que aqui, não vale nada – salvo por uns trocados separados para um café no aeroporto. ‘Trocados’ é eufemismo – porque todo mundo sabe que um café de aeroporto custa os olhos da cara.

Parece que o tempo passa diferente conforme a hora de partir chega. Você tenta aproveitar cada segundo daquele lugar que está deixando para trás, em uma tentativa quase desesperada de guardar na memória tudo o que não coube na mala. E se entristece por saber que não vai conseguir – especialmente se você tem uma memória de uva passa, como eu. Não obstante você tenta, se esforça para registrar o número de carros estacionados na rua, os rostos dos passantes que você sequer conhece, a sensação térmica de um dia qualquer. Cheiros. Gostos. Sons. É como se, na iminência de carimbar o passaporte, você se tornasse uma besta sinestésica e super-emotiva. Pura idiotice, eu sei – mas uma idiotice inevitável que só entende quem está ou já esteve prestes a deixar tudo (ou quase tudo) para trás.

Saudade é um troço traiçoeiro, que parece que aperta mais quando você está prestes a ir embora do que quando você já foi. Nos dias/horas que precedem a partida, você não consegue sair sequer para comprar um pão sem pensar que aquela será a última vez que você visitará aquele estabelecimento em muito tempo. Você passa por aquela árvore velha no caminho e nota que as folhas jovens que pendem dos galhos não estarão mais lá quando voltar. Será que aquele cachorro da rua de baixo continuará latindo pra mim quando eu descer do ônibus que vem do aeroporto? Não sei. Será que o motorista será o mesmo? Não faço idéia. E convenhamos, nenhum desses detalhes tem a menor importância prática – eu provavelmente nem vou lembrar disso quando estiver vindo para casa. A não ser por agora – agora, perceber cada detalhe parece a coisa mais importante do mundo.

Mas não é só a saudade que nos corrói nesses momentos – a incerteza também se torna uma companheira inconveniente. Porque você não tem a menor idéia do que diabos o futuro te reserva a partir do minuto em que você tira a chave da fechadura e sai mundo a fora, arrastando a mala atrás de si. Você pode ser a pessoa mais organizada do mundo, e ter a plena convicção de que cuidou de absolutamente todos os aspectos da viagem e que nada pode dar errado. Mas pode, ô se pode. Será que eu peguei MESMO o passaporte? Será que minha reserva de passagem foi registrada no sistema? Será que eu não confundi a data da viagem? Será que meus anfitriões falam inglês? Será que vão entender o MEU inglês? Será que eu vou achar a linha de trem que vai para o hotel, e vou conseguir descer na estação certa – ou será que vou acabar de mala e cuia em algum país bizarro, habitado por canibais devoradores de estrangeiros desavisados? Não há como prever. Ah, você acha que nenhuma dessas preocupações faz o menor sentido? Talvez não façam de fato – mas incerteza é isso: Uma espécie de paranóia burra sem nenhum compromisso com a realidade.

Eu odeio viagens longas – acho que já deu pra ter uma idéia a esse ponto. E no entanto, o fato de ser acometido por todo tipo de neurose crônica que eventos desse tipo podem causar me faz achar que eu sou um cara de sorte. Não nasci com o pé na estrada, e não tenho a menor vocação para o nomadismo – e boa parte disso se deve a um fato muito simples: Felicidade. Talvez uma felicidade circunstancial, até momentânea – que foge um pouco daquela Felicidade poética e eterna perseguida pelos românticos nos livros de cabeceira das solteironas – mas felicidade, ainda assim.

Aqui eu faço diferença – ou ao menos o aqui me faz diferença. Aqui eu tenho meu lugar, minhas pessoas, meus sorrisos. Aqui eu tenho uma vida inteira pela frente. Lá? Eu não sei o que eu tenho lá – e desconfio de que, pelo menos por enquanto, eu não tenha nada. E é só por isso que sinto essa tragicômica identificação com os participantes daquela brincadeira “Quer trocar?” dos programas infantis matinais da década de oitenta, em que o cidadão tinha que responder ‘sim’ ou ‘não’ sem saber o que estava sendo perguntado: “Você quer deixar tudo o que conquistou até agora para trás, e trocar uma vida sólida e feliz, rodeado por gente que te ama ao seu alcance, por um futuro incerto, em um lugar que você não conhece e sem certeza de sucesso?” – “Siiiiiiiiim!”.

Estes últimos dias aqui – na minha casa, na minha vida, no meu mundo – me ensinaram um novo significado para o conceito de melancolia. Mas não foi só isso – aprendi também uma nova definição para essa tal de Felicidade – essa coisa tão misteriosa que todo mundo persegue, mas ninguém sabe definir direito o que é. Felicidade é ter do que sentir saudades – assim, pura e simplesmente. Não é ser reconhecido profissionalmente, não é ter dinheiro, não é rir de tudo o tempo todo. Felicidade dói, às vezes – incomoda, perturba, te deixa amuado e até com raiva. No mais, é tudo aquilo que os livros contam – e por isso, compreendo essa busca frenética por ela que cada um de nós protagoniza todos os dias. E eu tenho do que sentir saudades – tenho muito. Só espero que estes tesouros todos que eu colecionei por estes meus anos continuem aqui quando eu voltar, em um futuro tão próximo e ainda assim tão distante... que eu queria que fosse hoje.

So long, farewell  auf Wiedersehen, goodbye – espero encontrá-los aqui quando eu voltar. E nesse meio tempo, espero que vocês todos colecionem saudades a rodo.

Vou ali.